Isto é o Governo a ser socialista?

Não há descontinuidade no executivo. Há ajustes que já não terão outra consequência se não um reforço do currículo para quem se estreia, seja nas funções de secretário de Estado, seja nas de ministro.

Há menos de um ano, quando o PS se preparava para o seu 22º Congresso, Pedro Nuno Santos deixou claro que se baterá por um lugar no futuro do partido. Subscreveu a moção sectorial “Por uma social-democracia da Inovação”, que também foi assinada por Duarte Cordeiro, e depois, já no conclave, esclareceu eventuais dúvidas.

Num discurso de precisamente sete minutos, encostou-se à esquerda, defendeu o Estado social e o serviço público, citou Karl Marx para dizer “de cada um, segundo sua capacidade; a cada um, segundo a sua necessidade” e concluiu: “Isto não é populismo, nem radicalismo. Isto é ser socialista”. Pedro Nuno Santos foi tão esclarecedor sobre as suas intenções que até António Costa, reconhecendo o potencial da nova geração, teve um desabafo: “Anuncio desde já que não meti os papéis para a reforma”.

Cinco meses depois, o Governo sofreu uma das remodelações mais profundas desde o Verão de 2001, altura em que António Guterres era chefe do executivo. E quando se especulava sobre a subida de Pedro Nuno Santos a ministro da Economia, António Costa surpreendeu mantendo-o nos Assuntos Parlamentares, como secretário de Estado. Foi Pedro Siza Vieira que passou de ministro Adjunto a ministro Adjunto e da Economia.

Sabe-se agora que a promoção estava prevista para outro momento: este. O que significa que António Costa sabia, desde Outubro, que haveria pelo menos mais uma remodelação antes de o Governo terminar o seu mandato. Sabia que, a pretexto das europeias, teria de voltar a mexer nas pastas do executivo e que poderia, então, fazer crescer o jovem secretário de Estado que quer um dia ser líder do PS. O que não estaria nos seus planos era a demissão de Azeredo Lopes, que precipitou as mudanças de Outono.

O que aconteceu nos últimos meses foi útil para a campanha que Pedro Marques fará agora e para o reconhecimento de que precisa junto dos portugueses. Permitiu-lhe, de acordo com a página oficial do seu ministério no Twitter, andar pelo país quase todo a: lançar o Corredor Internacional Sul - “o maior investimento ferroviário em Portugal em mais de um século”; a assinar protocolos para a concretização do Plano de Mobilidade do Tua; a anunciar a requalificação dos miradouros da estrada municipal 323, entre Sabrosa e Pinhão; ou a lançar o concurso da primeira fase do Sistema de Mobilidade do Mondego, só para dar alguns exemplos de geografia variável. Sobre a utilidade de esta remodelação não ter acontecido antes não é preciso acrescentar mais nada.

Feitas a poucos meses das eleições, estas mudanças não apresentam outra novidade que não a ascensão do pedronunismo e da geração com “enorme potencial” a que Costa se referiu no congresso, na qual também se inclui Mariana Vieira da Silva. Não há descontinuidade no executivo. Há ajustes que já não terão outra consequência se não um reforço do currículo para quem se estreia, seja nas funções de secretário de Estado, seja nas de ministro. E isso pode dar algumas pistas sobre o que poderá ser o próximo governo do PS, a existir.

Já politicamente parece mostrar que o primeiro-ministro privilegiou a presença da esquerda do PS no executivo, em detrimento da direita do PS, numa altura em que ele próprio trava um braço de ferro, na saúde, para não se deixar “capturar pelos interesses privados” (António Costa dixit). Recordo uma frase da socialista Paula Custódia Reis, que em Maio subiu ao palco do Eurosalão, na Batalha, para dizer: “Vamos pela esquerda, porque a esquerda é a via do nosso coração”. Será isso?

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