Trotinetas chegaram, viram, venceram e... irritaram

Seis meses depois da entrada em Lisboa, já há mais de 4000 trotinetes eléctricas a circular. São novas formas de mobilidade, que criam novos problemas. Será apenas um período de adaptação?

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Em Lisboa não há como fugir delas. Em cima dos passeios, a passear à beira-rio ou a conduzir numa das principais artérias da cidade, as trotinetes estão por todo o lado. Chegaram em Setembro de 2018 e, seis meses depois, qual o balanço da utilização deste meio de transporte alternativo pensado para complementar as deslocações diárias na cidade? A adesão é crescente. Mas as críticas também.

Em cerca de meio ano, seis empresas estabeleceram-se na capital e em breve deverá juntar-se mais uma. Numa questão de meses, são mais de 4000 os veículos disponíveis em Lisboa, diz a autarquia. Criar contingentes não é, para já, uma solução equacionada pela câmara. Questionado sobre essa possibilidade, o pelouro da Segurança e Mobilidade afirma que “não está previsto” limitar o número de trotinetes a circular, pois não resolveria “a eventual concentração excessiva em certas zonas da cidade”.

A pretensão do município é obrigar as empresas a implementarem um mecanismo nas trotinetes para que os utilizadores só consigam terminar as viagens em locais referenciados para o efeito. Até lá, diz a câmara, “a cidade tem de criar mais pontos de estacionamento para estes modos de mobilidade”.

Como resposta ao estacionamento abusivo que tem vindo a ser criticado, a autarquia tem criado vários pontos de estacionamento para velocípedes. Neste momento, existem cerca de 500 locais espalhados pela cidade (e cada um deles permite o estacionamento de várias veículos). Para além dos já existentes, estão mais 200 em análise e pretende criar-se outros 1600 pontos de estacionamento para velocípedes e motociclos nos próximos anos.

Face às reclamações de munícipes que denunciam as trotinetes mal estacionadas nos passeios ou às infracções cometidas nas estradas e ciclovias, a câmara e a polícia têm estado em diálogo com as empresas mas os problemas subsistem.

Fiscalização não é suficiente

A PSP aumentou a fiscalização a este tipo de velocípedes (categoria onde também se inserem as bicicletas partilhadas Gira), mas basta percorrer as ruas para nos cruzarmos com condutores a desrespeitarem as regras.

A última acção de fiscalização a velocípedes da PSP em Lisboa, no início de Fevereiro, culminou em 70 multas cobradas a condutores devido a “contra-ordenações diversas”, avançou ao PÚBLICO o Comando Metropolitano de Lisboa da PSP.

De 503 trotinetes e bicicletas fiscalizadas (com e sem motor), destacam-se três autuações por uso de telemóvel, um por desrespeito do sinal vermelho, 27 por paragem e estacionamento em cima do passeio e dois por utilização não adequada de vias destinadas a velocípedes. Registou-se ainda uma detenção por condução sob o efeito de álcool.

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De acordo com os dados fornecidos pela PSP, a atenção esteve dirigida para os velocípedes a motor. Na semana em que a PSP saiu à rua para controlar a circulação destes meios de transporte, foram fiscalizadas 115 trotinetes a motor, quatro sem motor, 216 bicicletas motorizadas e 168 sem motor.

Afinal de contas, o que está a falhar na forma como os utilizadores de trotinetes eléctricas se deslocam? Para Joana Pereira Correia, responsável de operações da Hive em Lisboa, a segunda empresa a entrar no mercado nacional, “é normal que haja uma fase de habituação das pessoas para perceberem o que é, para o que serve e que uso lhe podem dar de facto”.

Ao percorrer determinadas zonas da cidade, assiste-se a diferentes tipos de utilização das trotinetes eléctricas. Se no eixo das Avenidas Novas, entre o Saldanha, Campo Pequeno e São Sebastião, as trotinetes serão mais utilizadas para deslocações casa-trabalho, noutras zonas da cidade, como a Baixa ou a frente ribeirinha, são usadas mais para lazer.

João Crespo, 33 anos, é um dos vários moradores no centro de Lisboa que trocou o carro e os transportes públicos pela alternativa eléctrica de duas rodas. Começou por recorrer a trotinetes eléctricas para fazer o percurso entre casa e o trabalho, mas deu por si a gastar “cerca de quatro euros todos os dias”.

O jovem residente no Campo Pequeno decidiu então comprar uma trotinete para se deslocar até à zona do Marquês de Pombal, onde trabalha. “Fiz contas e decidi comprar uma por 300 euros”, conta junto à ciclovia que cruza a Praça do Duque de Saldanha.

Foi nesse troço que a PSP levou a cabo uma das várias fiscalizações empreendidas na área metropolitana de Lisboa. João foi apenas um dos vários condutores mandados parar pelas autoridades, ainda que circulasse de forma correcta na ciclovia.

Segundo descreve Teresa Matias, agente principal da PSP, as infracções mais comuns estão relacionadas com o desrespeito de semáforos e sinais de trânsito, a condução em sentido contrário ou o uso de telemóveis e auriculares durante a condução.

É precisamente devido a um desses incumprimentos que a agente interveio junto de um condutor que ali circulava e que abandonou a ciclovia para se deslocar pelo passeio em frente ao cinema Monumental.

“Para que não fosse incorrer numa transgressão, mandei-o logo parar”, relata a agente. A João perguntaram-lhe se conhecia as regras, desconhecidas para muitas.“Circulo sempre em ciclovias para evitar o trânsito”, nota João. Mas para quem não tem ciclovias à porta de casa poderá ser opção circular na estrada ao lado de carros e motas?

Nesses casos, a PSP aconselha o uso de capacete. A agente principal Teresa Matias não esconde que “os capacetes são os elementos [de segurança] mais importantes dos condutores”. Contudo, João Crespo considera-os “um empecilho”.

Incógnita sobre acidentes

A circulação neste tipo de veículos não acarreta apenas riscos para os condutores. Os peões nas ruas também estão sujeitos aos perigos desta nova forma de mobilidade.
Mário Coelho, 16 anos, sofreu na pele as consequências da falta de consciencialização de quem conduz estes veículos alternativos.

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Ao sair de casa, numa rua traseira à Estação de Santa Apolónia onde o trânsito só se faz num sentido, foi atropelado por uma trotinete eléctrica que circulava em contramão. “Olhei para o lado de onde vêm os carros e, ao virar-me para o outro lado, vi a trotinete a um metro de mim”, relata. O rapaz que ia na trotinete tentou parar, “mas não foi rápido o suficiente”.

Mário foi atirado ao chão. O guiador da trotinete acertou-lhe em cheio num joelho, provocando uma ferida. Mas quantos incidentes como o que aconteceu a Mário passarão ao lado das estatísticas?

De acordo com os últimos números da PSP, desde o início do ano, há registo de três acidentes envolvendo condutores de velocípedes. Elevando, assim, para sete os incidentes registados desde que as trotinetes começaram a circular em Lisboa.

Joana P. Correia, responsável da marca pertencente ao grupo Daimler–BMW em Lisboa, explica que, ao fazer-se download da aplicação para o telemóvel, recebem-se avisos de segurança em que “se recomenda o uso de capacete” — que não é obrigatório —, ensina-se a estacionar a trotinete e dão-se recomendações sobre de que forma pode adoptar-se uma condução defensiva para não pôr ninguém em risco. 

“Sempre trabalhámos com a câmara e polícia, lado a lado, e temos um diálogo aberto”, afiança a representante da Hive. “Tem de haver uma consciencialização geral. Se as trotinetes dos outros estiverem no chão, também vão contribuir para o mal-estar geral”, explica.

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Foi por isso que criaram uma equipa de organização do espaço público. “A indicação que lhes damos é para endireitar as trotinetes, estacioná-las melhor e retirar tudo o que esteja a condicionar acessos. Das nossas e dos nossos concorrentes”.

Para o município, a prioridade é encontrar soluções que minimizem o impacto deste modo de mobilidade na cidade. “Queremos encontrar a melhor solução de uma forma sustentável e em conjunto. Não queremos ser marginais”, diz a responsável da empresa que, só nos primeiros três meses de operação, registou 120 mil quilómetros de viagens. Realizar campanhas e acções de formação está nos planos da operadora, para que se consiga “envolver a trotinete num ecossistema de partilha”.

Mais que tudo, câmara e empresas precisam de chegar aos utilizadores e consciencializá-los de que este novo modo de transporte tem de conviver em harmonia com o espaço urbano, para que seja possível construir-se um modo de mobilidade diferente.

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