O cornish pasty não é o pastel de massa tenra da Cornualha - é a versão portátil do cozido à portuguesa deles

Seria excelente que as cozinheiras e os cozinheiros portugueses inventassem uma versão nacional do cornish pasty: é uma refeição portátil de carne com batatas. Imagino, por exemplo, uma empada de jardineira ou - porque não? - uma empada de caldeirada.

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É preciso atenção com a Cornualha. É mais a Bretanha do que a Inglaterra, embora não pudesse ser mais inglesa. É neste tipo de contradição que está o cuidado necessário.

Agora que o Brexit está à vista, o que acontecerá ao cornish pasty, a quem a União Europeia deu a IGP - a indicação geográfica protegida? A definição é até bastante laxista: o pasty (que se pronuncia pásti e não peisty) só tem de ser feito na Cornualha, podendo ser cozido noutro sítio qualquer.

As IGP têm sido uma benção, até pela vaidade que inspiram. Antes faziam-se pasties com todos os recheios imagináveis. E ainda se fazem: de borrego, de carapau, do que restou do guisado de ontem à noite.

A massa que envolve o pasty era feita para transportar e deitar fora. Os mineiros levavam nos bolsos um pasty acabado de sair do forno. Aquecia-lhes os bolsos dentro das minas. Quando arrefecia, era tempo de almoçar. Os dedos sujos, possivelmente venenosos com arsénico, abriam a empada para chegar ao recheio. A massa deitava-se fora.

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Definir o cornish pasty salvou uma combinação feliz. O cornish pasty só pode levar batata, nabo amarelo (swede ou rutabaga), cebola, sal e pimenta e o corte de carne de vaca a que os ingleses chamam skirt steak e que os portugueses não cortam, estando entre o óculo e a fraldinha.

Seria excelente que as cozinheiras e os cozinheiros portugueses inventassem uma versão nacional do cornish pasty: é uma refeição portátil de carne com batatas. Imagino, por exemplo, uma empada de jardineira ou - porque não? - uma empada de caldeirada.

No entanto, nós não podemos fazer um cornish pasty porque nos falta o corte de carne e a nabo amarelo (Brassica napus napobrassica). Quando eu era estudante na Inglaterra fartei-me literalmente de comer swedes (porque eram maiores e mais baratos do que nabos) mas adoro-os em cornish pasties.

O nabo amarelo é menos picante, mais doce e farinhento do que o nabo. É um nabo para quem gosta mais de batatas. A combinação de nabos amarelos e batatas parece absurda no papel mas resulta maravilhosamente.

Se está a pensar que a cenoura também ficaria bem - ou talvez um bocadinho de salsa picada - pode tirar o cavalinho da chuva. Ambos são anátemas para o cornish pasty. O gostinho português até era capaz de aconselhar um tomatinho. Ou a substituir o nabo amarelo com cherovia.

Nem pensar! Na Cornualha cada pessoa faz o pasty que lhe apetece. Mas é bom que haja regras precisas sobre o cornish pasty. Trata-se de uma empada de difícil execução, já que tudo coze ao mesmo tempo: a massa, a carne, as batatas, o nabo amarelo e a cebola. O perigo frequente é ficar seco e batatudo.

O maior fabricante de cornish pasties é a Ginsters. Têm robots especiais para fazer os pasties. Toda a gente diz que os melhores cornish pasties são feitos à mão, mas a verdade é que isso depende de quem os faz. Não há nada como um cornish pasty acabado de sair do forno mas o facto de estar quentinho perdoa muitos defeitos.

A Ginsters responde que os robots asseguram a consistência. Eles seguem à letra a receita do cornish pasty e dizem que só usam ingredientes da Cornualha mas, com uma honestidade típica da Cornualha, confessam que isso nem sempre é possível.

Para escrever este artigo encomendei quatro cornish pasties da Ginsters porque são de longe os mais vendidos no Reino Unido. Comi-os aquecidos no forno. A primeira coisa a dizer é que, apesar de serem completamente industriais e estarem cheios de ingredientes indesejáveis, não são nada maus.

São reconhecivelmente cornish pasties. A carne é picada - discutivelmente deveria ser cortada em cubinhos - mas o resultado é húmido e saboroso. O nabo amarelo e a batata têm a rigidez certa. Até a massa é aceitável, embora seja melhor pô-la de parte e comer o conteúdo. Tem o defeito indesculpável de abrir-se quando é aquecida.

Mas, se calhar, é essa a maneira que tem de nos sugerir que a massa é para esquecer. O acompanhamento perfeito de um cornish pasty é um bom chá preto com leite fresco.

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