Sabe o que é um “simprinhas”? E uma “estrampadeira”? Ele explica

Domingos Freire Cardoso formou-se em Engenharia, foi professor, mas a escrita foi sempre uma paixão. O seu último livro reúne o linguajar típico da sua terra natal, Ílhavo. Chama-se Palabras co bento no leba.

Fotogaleria
Adriano Miranda
Fotogaleria
Adriano Miranda

Não é caso único no país, está longe de ser uma língua oficial (como o mirandês) mas o facto é que Ílhavo tem um linguajar muito característico, com vocábulos exclusivos. São inúmeras expressões, palavras e modos de falar, que corriam o risco de desaparecer não fosse o empenho de um autor da terra, Domingos Freire Cardoso. Engenheiro de formação, professor de profissão (agora reformado) e escritor por vocação, ele é o oposto de um “simprinhas” – escusa de ir procurar a palavra ao dicionário da língua portuguesa. Passou anos a investigar, a escrever e a ler, para trazer à estampa Palabras co bento no leba, um livro que é uma espécie de dicionário do modo de falar ilhavense.

São mais de 500 páginas que reúnem expressões como "escufenar” (limpar/lavar), "estrampadeira" (mulher que não cuida ou zela o que é seu), "pelingrino" (triste, coitado, azarado) e "abusacar-se” (sentar-se). E "simprinhas", claro está, expressão que, no entender de Domingos Freire Cardoso, é das “mais típicas e que melhor identifica Ílhavo a nível nacional”. Advém de simples, e significa “simplesinho, pessoa humilde, sem relevo social e cuja opinião ninguém leva em consideração”, desvenda o autor ilhavense.

Este livro debruça-se, também, sobre a troca do v pelo b comum em Ílhavo – daí o título escolhido para a obra –, entre outras corruptelas. Como a substituição do e pelo a, que deu a origem a que se dissesse, por aquelas bandas, “Jasus” em vez de Jesus e “nabegantas” em vez de navegantes. Era, igualmente, usual “trocar-se as terminações verbais ais/eis/is por endes/indes o que, associado ao fenómeno anterior, originava as características terminações endas/indas”, relata, exemplificando com a conhecida a expressão “inté morrendas se no falendas!” – tradução: até morreis se não falais.  

Foto
Adriano Miranda

Nascido e criado na Chousa-Velha, pequeno lugar desse concelho onde o povo chamava "sauta-paredes" a um indivíduo que andava a passo largo, Domingos Freire Cardoso, 72 anos, fez carreira no ensino, como professor do secundário. Licenciou-se em Engenharia Química-industrial mas cedo teve a sensação de que “seria um mau engenheiro”, confessa. Concorreu a um estágio como professor e acabou por ficar “em segundo lugar a nível nacional”, recorda, a propósito do seu ingresso na docência.

Acabou por abraçar o ensino – leccionou Química e Física - até ao momento da reforma, em 2007. Desde então, as tarefas têm sido outras, dedicando-se, essencialmente, a “tratar do quintal, escrever e viajar”. Vai ao Brasil, onde tem família, com regularidade, e os Estados Unidos da América, Tailândia e Egipto fazem parte da lista de viagens intercontinentais que já concretizou. Por cumprir está ainda esse sonho de “ir ao Norte da Europa pelo solstício de Junho, para ver o sol da meia-noite”, revela.

Foto
Adriano Miranda

Palabras co bento no leba (edição de autor) é já o seu quarto livro. Publicou dois de poesia – um deles para assinalar o seu septuagésimo aniversário – e um alusivo à investigação que fez sobre o Cemitério de Ílhavo. O mais exigente de todos terá sido, definitivamente, o último. Para o tornar uma realidade teve de empenhar-se em consultas e investigações que se “estenderam por cerca de cinco anos”. “Foi um trabalho longo, afincado, solitário, ora metódico, passado em bibliotecas, ora um pouco caótico, ouvindo aqui e perguntando acolá”, testemunha. Consultou arquivos, actas, jornais e leu muitos livros. “E o mais curioso é que quanto mais lia e consultava mais achava que tinha de ler”, evoca o autor da obra que vem acompanhada de um CD que inclui diálogos gravados por vozes ilhavenses.

Sigam a luz do farol para descobrir o que se passa em Ílhavo

Domingos Freire Cardoso também já escreveu letras de canções – uma delas, Providência Cautelar, foi musicada por João Gil e cantada por João Pedro Pais – e há muitos anos que vem somando participações (e arrecadando prémios) em vários jogos florais e concursos literários.

Foto
Adriano Miranda

De fã do Euro 2004 a Pai Natal

Domingos Freire Cardoso é, para além de escritor, um voluntário muito especial. A cada mês de Dezembro, veste a fatiota vermelha, coloca o gorro e junta-se à equipa de animadores do Parque dos Talentos da AEVA (Associação para a Educação e Valorização da Região de Aveiro) para fazer de Pai Natal. “Começou por uma brincadeira, mas agora é uma coisa séria. De tal forma que a partir de Agosto já não corto as barbas”, aponta. Gosta de exercer essas funções, não obstante ser, por natureza, “acanhado”. “Acho que só o faço porque as pessoas não me conhecem”, reconhece.

Também foi voluntário no Euro 2004, vivência que lhe deixou marcas indeléveis. Adorou a experiência e, acima de tudo, acredita que o nosso país nunca mais foi o mesmo (para melhor) depois de acolher o campeonato europeu de futebol. Guarda, com todo o cuidado e carinho, a t-shirt que usou nesses dias em que tinha como missão apoiar quem estava de passagem por Aveiro para assistir aos jogos. Foi juntando outros objectos e artigos alusivos à efeméride e, se pudesse, gostava de fazer um museu para albergar a sua colecção de objectos relativos ao Euro 2004.

Sugerir correcção