Greve com António Variações e Soares: "Só perde quem desiste de lutar"

Sindicatos entregaram carta no Ministério das Finanças reivindicando alterações aos salários e progressão de carreiras. Líderes apelam à união dos trabalhadores.

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Durante a tarde desta quinta-feira, o calor invulgar que se fazia sentir na zona ribeirinha de Lisboa ia sendo disfarçado ao som de António Variações. Enquanto os vários manifestantes da função pública no local erguiam faixas e agitavam bandeiras exigindo respeito ao actual Governo, ecoava dos altifalantes das carrinhas na praça “Esta insatisfação/ Não consigo compreender/ Sempre esta sensação/ Que estou a perder”, perante a indiferença dos turistas que ali passavam.

Goreti Ferraz, de 50 anos, professora do ensino básico há 27, foi uma das várias dezenas de pessoas que acorreram à concentração junto ao Ministério das Finanças, no Terreiro do Paço, em Lisboa. “A grande questão é os nove anos, quatro meses e dois dias que me roubaram”, resume a professora de Ermesinde sobre o motivo que a levou a estar presente.

No primeiro de dois dias de greve da função pública, líderes e delegados sindicais reuniram-se junto à sede das finanças para entregar uma carta à tutela, na qual reivindicam alterações às políticas remuneratórias e à progressão de carreiras do sector público. A adesão à greve marcada para esta sexta-feira deverá ser significativa.

Goreti não arreda pé. A professora não se vê a exercer outra profissão, mas não esconde que a situação actual que se vive nas escolas tem tudo que ver com “os parcos recursos existentes hoje em dia”. “Fala-se de números e de rácios, mas a realidade com que lidamos são jovens em formação e não esses números e rácios”, desabafa. “As dificuldades são muitas e os incentivos muito poucos”, diz sobre a progressão de carreira dos professores. Goreti teve sorte. “Cheguei a progredir porque entrei como licenciada. Um ano depois e a minha carreira estaria desestruturada”, descreve. 

A professora reconhece que uma greve “é dolorosa e transtorna a vida de todos”, mas que “algo tem de ser feito”. Sobre o aviso deixado de os professores fazerem greve no terceiro período, justifica a medida afirmando que “o futuro dos professores também está em causa” e que essa é a única resposta possível quando do outro lado se encontra uma verdadeira intransigência.

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Depois de entregar a carta com reivindicações ao Ministério das Finanças de Mário Centeno, José Abraão, secretário-geral da Federação de Sindicatos de Administração Pública (Fesap), revelou que houve um “bom acolhimento” aos pontos abordados na missiva e que a frente sindical ficará “a aguardar que o ministro atenda às reivindicações”. João Dias da Silva, dirigente da Federação Nacional de Educação (FNE), por sua vez, sublinhou que “está nas mãos do Governo a pacificação do terceiro período lectivo”.

Mário Nogueira, secretário-geral da Federação Nacional de Professores (Fenprof) admitiu recentemente, após reunião com Catarina Martins do Bloco de Esquerda, que os professores poderão não lançar notas e fazer greve às aulas dos alunos do 12.º ano no terceiro período lectivo, caso o Governo recuse a negociação da devolução do tempo de carreira.

A expectativa dos sindicatos é que haja uma grande adesão à greve de sexta-feira. O secretário-geral da UGT lembrou que não existem apenas enfermeiros e que nos sindicatos estão presentes um grande número de outros funcionários do Estado. O que está em cima da mesa, diz, “é um compromisso negocial no sentido de saber quanto tempo é necessário para se recuperar aquilo que se perdeu”. “É isso que está em cima da mesa e não vamos desistir”, resumiu.

Carlos Silva, líder da União Geral dos Trabalhadores (UGT), diz estarem “disponíveis para um compromisso”, deixando contudo o repto para que sejam “os membros do Governo a afirmá-lo e sentados à mesma mesa”. “Não há dinheiro e por isso acabou-se a negociação”, é assim que o dirigente sindical descreve a realidade com que os sindicatos têm sido confrontados.

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Sérgio Carvalho, presidente do Sindicato Nacional de Bombeiros Profissionais, acredita que a greve de sexta-feira terá uma adesão de 90%. O líder sindical dos bombeiros sublinhou o facto de estarem há 17 anos à espera de uma revisão de carreira que está actualmente a ser negociada.

“O Governo quer mexer, mas esbarra nas finanças devido a questões orçamentais e acaba por ser uma profissão em que prestamos socorro à população mas estamos condicionados por números e financiamentos”. A questão da idade das reformas que prevê que os bombeiros só se possam reformar depois dos 60 anos foi outro dos pontos abordados pelo dirigente sindical. “Não há condições físicas para prestar socorro com essa idade”, disse. “Põe em causa a integridade do bombeiro e da população”.

Com o avançar da tarde e depois de terem entregado a carta no Ministério das Finanças, os diferentes líderes sindicais subiram ao palco uma última vez para proferirem palavras apelando à união e mobilização dos trabalhadores antes da paralisação de sexta-feira.

“Vamos fechar blocos operatórios, escolas e serviços” ouvia-se dos altifalantes. A concentração não terminou sem antes se lembrar uma célebre frase de Mário Soares. “Só perde quem desiste de lutar”, disse Carlos Silva antes de dar por concluída a concentração.

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