Consultas no SNS serão as primeiras a sofrer com a falta de acordo entre ADSE e privados

Braço-de-ferro continua com mais um grupo privado a admitir romper com a ADSE. A manter-se o cenário, procura pode aumentar no SNS, com o primeiro impacto a sentir-se nas consultas do hospitais e com efeitos nas listas de espera.

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Nelson Garrido

O Grupo Lusíadas Saúde “está a analisar opções para a cessação” das convenções que tem com a ADSE, subsistema de saúde dos funcionários públicos. É o quarto a fazê-lo, depois de o Grupo Hospital Privado do Algarve ter confirmado a intenção de acabar com os acordos e de os grupos Mello Saúde e Luz Saúde terem anunciado a suspensão das convenções a partir de meados de Abril.

A manter-se este cenário, para alguns beneficiários o Serviço Nacional de Saúde (SNS) será a resposta. Vários especialistas ouvidos pelo PÚBLICO admitem que haverá maior pressão e as consultas serão as primeiras a sentir o impacto, com aumento dos tempos de espera, sobretudo nas áreas onde a resposta já é limitada.

“O SNS tem restrições financeiras fortes e não há flexibilidade para aumentar os recursos humanos. Qualquer embate irá dificultar a resposta. O maior impacto no SNS será nas consultas externas, que em alguns hospitais já têm meses de espera”, diz Alexandre Lourenço, presidente da Associação dos Administradores Hospitalares (APAH), considerando que oftalmologia, ortopedia e dermatologia, por já terem grandes tempos de resposta, poderão ser as áreas mais sobrecarregadas - estas são, de resto, algumas das especialidades mais procuradas pelos beneficiários da ADSE junto dos privados. O efeito, se nada mudar, “poderá acontecer a partir de Maio”.

Nas cirurgias será diferente. “Há um hiato entre o tempo de decisão e a realização da cirurgia, pois tem de haver consultas pelo meio, e os efeitos poderão sentir-se mais à frente. Temos a possibilidade de assegurar a resposta com os cheques-cirurgia quando os tempos máximos de resposta são ultrapassados, mas o SNS vai gastar mais dinheiro.”

Sem dados que permitam estimar o verdadeiro impacto a esperar, caso não haja acordo entre privados e ADSE, e sem saber quantos dos beneficiários poderão optar por continuar no regime livre ou transitar para um seguro de saúde, Alexandre Lourenço considera que "não é de esperar uma hecatombe" no SNS. “Em 2017, o SNS realizou 42 milhões de consultas nos hospitais e centros de saúde. Em 2016, a ADSE suportou com as convenções 2,8 milhões de consultas e 210 atendimentos permanentes.” Lembra também que muitos beneficiários da ADSE são já também utilizadores do SNS, nomeadamente em áreas mais complexas como oncologia, neurocirurgia e doenças raras.

Instabilidade nos beneficiários

O cenário do fim das convenções com os maiores grupos privados, admite o presidente da APAH, pode trazer um outro. O do regresso de médicos que estão com horário reduzido no SNS e que poderão trabalhar mais horas no público, se houver menos procura nos privados. Acima de tudo, o responsável destaca o impacto que esta situação já está a ter nos beneficiários. “Há uma instabilidade que não é útil. As partes devem sentar-se à mesa e chegar a um acordo sobre a forma de remuneração”, defende.

Ao PÚBLICO, o presidente do Conselho Geral e de Supervisão da ADSE João Proença admite que “há alguma inquietação dos beneficiários, mas não aumentou muito o número de exposições” feitas ao conselho.

O bastonário dos Médicos, Miguel Guimarães, acredita “que vai ser possível encontrar um caminho comum” entre as partes e defende que a ministra da Saúde tenha “um papel de mediador”. “O Ministério da Saúde não é só responsável pelo SNS. É também responsável, de alguma forma, pela regulação da Saúde em Portugal”, aponta, afirmando que o SNS não tem capacidade para acolher um grande acréscimo de procura.

“A situação é complexa quando já temos tempos máximos de resposta que não são respeitados em muitos locais do país. A primeira área a sentir efeitos será a das consultas e depois as cirurgias e meios de diagnóstico”, refere, salientando que haverá beneficiários com maior capacidade económica que se manterão no regime livre da ADSE e outros que poderão optar por seguros.

Também para Rui Nogueira, presidente da associação dos médicos de família, a situação de conflito “é preocupante”. “Estamos a tratar de doentes e não podemos esquecer a questão da continuidade de tratamentos e do princípio do acesso”. “Não concordo com a leveza com que se fala do problema e que levanta outras questões. O SNS é universal e a dúvida que pode existir se tem capacidade ou não resposta para todos os utentes é inadmissível”, afirma. “Há a necessidade de garantir a resposta do SNS e aqui levanta-se o problema do subfinanciamento”, lamenta.

O economista da saúde Pedro Pita Barros considera que “há vantagens mútuas” num entendimento, que se não chegar trará perdas para os dois lados: “Os beneficiários terem que adiantar o dinheiro se quiserem usar esses prestadores, através do regime livre” e os grupos privados “perdem volume de actividade”.

Sobre efeitos no serviço público, Pita Barros — que coordenou a comissão criada pelo Governo em 2016 para avaliar novos modelos de gestão da ADSE — afirma que “mesmo que só alguns venham a recorrer ao SNS, por não quererem utilizar o regime livre ou outros convencionados, é previsível alguma dificuldade para o SNS”.

Quanto a alternativas para a resposta da ADSE, recorda que as Instituições Particulares de Solidariedade Social, Misericórdias, Cruz Vermelha têm sido as referidas. “Admito que a situação seja diferente para consultas e exames, e para cirurgias com algum grau de diferenciação (onde essa substituição será mais difícil)”, diz.

Reuniões no Parlamento

No comunicado enviado esta quarta-feira, o Grupo Lusíadas Saúde não indica uma data para o fim das convenções. Diz que continuará a assegurar o acompanhamento dos beneficiários da ADSE e que “criará uma tabela própria para que os mesmos beneficiários possam aceder" aos hospitais do grupo, "podendo posteriormente pedir o reembolso à ADSE em regime livre". E também deixa margem para o reatar das negociações, dizendo que o grupo está "totalmente disponível para a construção de soluções de parceria".

Posição semelhante adoptaram os outros grupos que também querem abandonar a rede de convenções com a ADSE.

O presidente da Associação Portuguesa de Hospitalização Privada, Óscar Gaspar, reúne-se esta quinta-feira à tarde com os grupos parlamentares do PS, PSD e CDS e, na sexta-feira, reúne-se com o BE. As reuniões foram pedidas na semana passada.

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