O cinema de Farhadi está a precisar de um golpe de rins, todos sabem...

Asghar Farhadi tornou-se um cineasta “internacional”, o filme não contorna uma sensação de desenraizamento.

É a adopção de um cinema de “língua franca”, de “esperanto”, que reduz o interesse do cinema de Farhadi
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Pese o sucesso que o levou a tornar-se um cineasta “internacional”, certamente o mais internacional dos realizadores iranianos, Asghar Farhadi ainda não foi capaz de fazer um filme tão forte e tão duro como Uma Separação. Isso também não acontece com Toda a Gente Sabe, filme incapaz de contornar uma sensação de desenraizamento (e portanto, de aleatório), mesmo que o carácter tradicionalista e religiosamente impregnado da Espanha “profunda” possa, eventualmente (mera hipótese), servir para estabelecer, até dado ponto, algum tipo de paralelismo com a Teerão de Uma Separação. Toda a Gente Sabe, que parece condensar elementos de todos os filmes anteriores de Farhadi (não é de falta de coerência que o acusamos), funciona como um thriller de arranque lento (é preciso esperar uma vintena de minutos para que o principal motor narrativo se revele: o desaparecimento de uma miúda), e usa os procedimentos do género como mecanismo propiciador do trauma que vai fazer revelar o verdadeiro coração do filme: os segredos (de “polichinelo”, que “toda a gente sabe” ou pelo menos supeita, mas de que ninguém ousa falar) que viram do avesso o olhar do espectador sobre as relações familiares, de amizade, de classe, etc, do principal núcleo de personagens.

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A bem dizer — embora isso condiga com o “polichinelo” — esses segredos são bastante previsíveis, e talvez não fizesse mal nenhum ao filme, pelo contrário, se Farhadi trabalhasse um pouco mais hitchcockianamente as expectativas criadas no espectador. Tudo fica demasiado “plano”, quer como thriller, quer como psicodrama familiar. E se tudo é impecavelmente executado, numa “linha clara” de factura proto-industrial, é justamente da falta de aspereza que nos queixamos: mesmo as cenas mais fortes, as cenas em que as personagens revolvem a intimidade umas das outras, têm aquele brilho imaculado do profissionalismo irrepreensível, sem hesitações, sem gestos imperfeitos, sem nenhuma rugosidade aproximável da espontaneidade quase bruta com que víamos, por exemplo, as relações do casal protagonista de Uma Separação. Este tipo de factura certamente joga a favor da recepção do filme, juntamente com o seu procedimento narrativo em códigos reconhecíveis, e sem esquecer um elenco que parece bastante empenhado e compenetrado (mas onde o destaque, apesar do estrelato de Bardem e Penélope, tem que ser para o argentino Ricardo Darín, que raramente se vê em filmes feitos na Europa). Mas, precisamente, é a adopção deste cinema de “língua franca”, de “esperanto” para o circuito dos festivais (e mais além), que aos nossos olhos vai reduzindo o interesse do cinema de Farhadi. Está a precisar de um golpe de rins qualquer, “toda a gente sabe”.

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