Em braço-de-ferro com a oposição, primeiro-ministro australiano reabre centro de detenção “desumano”

O centro foi fechado em 2018 depois de terem vindo a público relatos de maus-tratos. Primeiro-ministro quer reactivá-lo depois de derrota no parlamento.

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O primeiro-ministro australiano, Scott Morrison LUSA/LUKAS COCH

O primeiro-ministro da Austrália, Scott Morrison, anunciou nesta quarta-feira que vai reabrir um centro de detenção para requerentes de asilo na Ilha do Natal (um território australiano no Índico). Este centro, que esteve a funcionar até ao ano passado, era criticado por manter os imigrantes em condições “desumanas”.

O centro de detenção da Ilha do Natal foi encerrado depois de vários relatos de imigrantes nas ilhas onde a Austrália tem centros de detenção terem vindo a público, chocando os australianos: havia maus-tratos, problemas de saúde mental, sentimento de insegurança entre os detidos, comportamentos suicidas em crianças.

“É uma crise total”, afirmava à BBC, em Setembro, a psiquiatra Louise Newman que trabalha com famílias e crianças em Nauru (um país-ilha na Micronésia, que tem um acordo com a Austrália para receber refugiados), uma das três ilhas em que há centros de processamento para refugiados. “Estamos a ver comportamentos suicidas em crianças com oito ou dez anos”, contava. Muitas das crianças viveram a maior parte das suas vidas nos centros de detenção, disse então a psiquiatra.

A situação levou o Partido Trabalhista, os Verdes e os independentes a trabalhar num projecto-lei que permite que os imigrantes possam ser transferidos para a Austrália continental para terem ajuda médica. O primeiro-ministro opôs-se desde o primeiro momento à medida, mas esta foi aprovada na Câmara dos Representantes, onde o Governo não tem maioria; depois, passou no Senado — o que foi considerado uma derrota para o conservador Morrison.

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Usando esta lei como argumento, dizendo que assim era de esperar que chegassem mais imigrantes e que houvesse mais transferências, o primeiro-ministro anunciou então que iria reabrir o centro de detenção na Ilha do Natal. Também o ministro da Imigração, David Coleman, disse no domingo que a alteração aprovada pelo Parlamento iria incentivar os requerentes de asilo a viajar para a Indonésia, pagando depois a traficantes para os levarem para a Austrália de barco.

A oposição australiana criticou o Governo por estar a ser alarmista, dizendo que a medida só se aplica aos imigrantes que já se encontram nos centros nas ilhas: “Esta legislação está confinada aos que estão na ilha de Manus [na Papuásia Nova-Guiné de Nauru”, disse o deputado independente Kerryn Phelps. “Não representa qualquer tipo de chamamento para as pessoas tentarem fazer uma viagem até à Austrália porque não estarão abrangidas pela legislação”.

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O centro de detenção na Ilha do Natal ANDREA HAYWARD/EPA

A lei para reverter uma das duras práticas do sistema de imigração australiano dá aos médicos o direito de transferir cerca de mil homens e mulheres dos centros de detenção no Pacífico, caso precisem de tratamento médico. Esta alteração, votada a favor pelo Partido Trabalhista Australiano (oposição) e por deputados independentes, surge meses antes das eleições federais do país e representa um golpe para a coligação conservadora no poder.

Nos últimos anos, as Nações Unidas têm considerado as políticas de detenção e de imigração da Austrália como “desumanas”, mas o Governo tem-se defendido argumentando que estão a combater o tráfico humano e a ajudar a alto salvar vidas em alto mar.

Em 2001, o então primeiro-ministro australiano John Howard, que estava a perder popularidade e a possibilidade de ser reeleito, recusou que um navio norueguês que transportava 433 refugiados resgatados entrasse na Austrália. A decisão jogou a seu favor, e Howard acabaria por ser reeleito, tendo ficado no poder até 2007.

Desde 2013 que a Austrália tem reencaminhado migrantes que chegam de barco para centros de detenção na ilha de Manus (na Papuásia-Nova-Guiné) e na ilha de Nauru, a 3000 quilómetros da Austrália. As instalações da Ilha do Natal, um território australiano a cerca de 2600 quilómetros a Noroeste do continente (e a 300 quilómetros do sul da Indonésia), tinham sido fechadas no ano passado depois de mais de dez anos de operação em que acolheram milhares de pessoas.

Os requerentes de asilo interceptados em alto mar passaram a ser enviados para campos de detenção na Papuásia-Nova-Guiné e em Nauru e não podiam pisar a Austrália, a não ser que o Governo decidisse que precisavam de cuidados urgentes.

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