Sindicato quer que Governo pague 10 mil euros por dia se insistir na requisição

É uma sanção caso o Supremo Administrativo decrete a invalidade da requisição civil e o Governo não cumpra essa decisão. Intimação dos enfermeiros denuncia alegados estratagemas para levar a incumprimento de serviços mínimos.

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LUSA/MIGUEL A. LOPES

O Sindicato Democrático dos Enfermeiros de Portugal (Sindepor) pediu ao Supremo Tribunal Administrativo (STA) que considere inválida a requisição civil decretada na semana passada pelo Conselho de Ministros e obrigue os membros do Governo a pagar 10 mil euros por dia se estes se recusarem a cumprir uma decisão judicial que considere ilegítima essa restrição do direito à greve.

Devido ao que consideram a "especial urgência da situação" - já que só faltavam esta segunda-feira 17 dias para a greve terminar -, os advogados do sindicato pedem uma audiência oral no prazo de 48 horas. Este é o prazo que o Supremo Administrativo terá para decidir se aceita ou rejeita a intimação para a protecção de direitos entregue esta segunda-feira à tarde no STA. O Conselho de Ministros terá que ser notificado e poderá pedir diligências de prova, como o sindicato, que indica cinco testemunhas dos quatro centros hospitalares onde avançou a requisição: São João, o do Porto (que integra o S. António e o Centro Materno-Infantil), Entre o Douro e Vouga e Tondela-Viseu.

Na intimação, a que o PÚBLICO teve acesso, o Sindepor acusa o Governo de ter lançado “uma gigante campanha de manipulação da opinião pública” para virar os cidadãos contra a greve dos enfermeiros e enumera uma série de estratagemas usados para se responsabilizar os enfermeiros por várias das cirurgias adiadas. Chega-se "ao cúmulo", dizem, de se anteciparem operações para este mês de greve para depois se culpar os enfermeiros pelos cancelamentos.

Os advogados do sindicato acreditam que a maior parte das operações que estariam integradas nos serviços mínimos e não se realizaram eram cirurgias de prioridade normal, ou seja, deviam ser concretizadas num prazo de seis meses. São doentes cujos tempos máximos para serem operados no Serviço Nacional de Saúde já estariam esgotados há muito. Referem-se ainda a pacientes marcados “em excesso” ou chamados para cirurgias quando se sabia de antemão que não havia hipótese de os operar, e a intervenções adiadas porque os médicos se terão atrasado e se perdeu “tempo operatório”. 

Ao longo de quatro dezenas de páginas, multiplicam-se os exemplos da estratégia que o sindicato defende ter sido gizada pelo Ministério da Saúde em conjunto com as administrações hospitalares: no São João, segundo afirma o sindicato, marcaram-se cirurgias a pacientes que estavam a aguardar há 10 meses, quando o tempo máximo estipulado na lei em caso de prioridade normal são seis meses; foi agendada uma operação à fenda palatina de uma criança de dez meses que depois acabou por não ser operada porque não havia “tempo operatório”; e doentes com mais de 700 dias de espera para cirurgia hemorroidal foram "intencionalmente considerados prioritários”.

"Abrir todas as salas operatórias"

No Centro Hospitalar Universitário do Porto, a administração decidiu "abrir todas as salas operatórias", quando o acórdão que decretou os serviços mínimos apenas mencionava uma sala de urgência e outra sala extra, “provocando assim e propositadamente uma impossibilidade de funcionamento". O mesmo terá acontecido nos outros três centros hospitalares. “Houve uma indicação do Ministério da Saúde para marcação de doentes prioritários em todas as salas”, apesar de se saber que só algumas estavam disponíveis, sintetiza.

Como motivo para cancelamento de cirurgias são ainda referidos os atrasos dos médicos em várias situações. Um dos exemplos ter-se-á passado no São João, numa operação às carótidas marcada para as 9h e em que o cirurgião terá chegado às 10h20 e o médico interno às 10h45. Como esta cirurgia se atrasou, a segunda operação agendada não pode ser realizada e era “uma angioplastia classificada como muito prioritária”.

Um outro caso que o sindicato considera exemplificativo da estratégia foi o da marcação de uma operação, em primeiro lugar, para uma redução mamária (que depois não se realizou) numa sala operatória quando havia outros dois doentes marcados para a mesma sala, esses sim muito prioritários. Um destes doentes acabou por não ser operado por falta de tempo.

No Centro Materno Infantil, foram adiadas várias cirurgias “por falta de material e/ou falta de vaga no hospital”, situações que “já se verificam normalmente fora dos períodos de greve e não podem assim ser imputadas aos enfermeiros, sublinha o Sindepor. E, no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, "foram marcadas quatro cirurgias complexas para o mesmo dia, quando normalmente são marcadas apenas uma ou duas”.

Campanha “de manipulação”

Para provar a extensão da campanha “de manipulação”, o sindicato invoca o caso de um cirurgião do Hospital de Leiria que terá justificado o adiamento de uma cirurgia com a paralisação dos enfermeiros. Sucede que, segundo o Sindepor, esse médico “esteve todo o dia na sua clínica privada” e no Hospital de Leiria nem sequer havia protesto dos enfermeiros.

Com estes exemplos, o sindicato visa contestar eventuais casos apresentados pelo Governo como incumprimentos dos serviços mínimos, e que ainda desconhece. Isto porque o Governo não apresenta nenhum caso concreto na resolução do Conselho de Ministros que serviu de base à requisição civil nem na portaria da ministra da Saúde que a concretizou. Na resolução refere-se que “se tem verificado, de acordo com informações detalhadas dos respectivos conselhos de administração, que os enfermeiros não têm cumprido os serviços mínimos fixados”, sem avançar com nenhum exemplo.

Por isso, os advogados do Sindepor, Garcia Pereira e Joana Miranda, sustentam que falta fundamentação à requisição civil e, por isso, a mesma é inválida. “E, se receberam realmente informações detalhadas, teriam com toda a certeza meios para invocar esses factos concretos, sem os quais a fundamentação aduzida é absolutamente imperceptível e, sobretudo, insindicável”, escrevem na acção.

A ministra da Saúde admitiu também esta segunda-feira que há indícios de que os serviços mínimos podem não estar a ser cumpridos noutros dos dez centros hospitalares e hospitais onde decorre a greve "cirúrgica". Se isso se provar, o Ministério da Saúde podem avançar com outras requisições civis complementares.  ​

Na primeira semana da segunda “greve cirúrgica” dos enfermeiros, em curso em blocos operatórios de dez unidades de saúde, não foram realizadas 2657 intervenções cirúrgicas, mais de metade (56%) do total agendado entre 31 de Janeiro e 8 deste mês, de acordo com o balanço sobre o impacto do protesto que o Ministério da Saúde divulgou nesta segunda-feira.

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