Desafios europeus para um governo esquivo e ambíguo

Que negociação de fundos é esta em que a política de coesão beneficia os países mais ricos e desenvolvidos e penaliza Portugal?

1. Os últimos dias foram férteis em temas europeus, alguns suscitados por minha directa intervenção e outros pela dinâmica política em curso. Importa, passá-los em revista, pois têm importância no debate político que antecede as eleições europeias.

2. O primeiro diz respeito à proposta da Comissão Europeia para as perspectivas financeiras 2021-2027, que é má para a Europa e para Portugal. Exprimi aqui uma posição dura, logo em Junho de 2018. Ao contrário do que diz o governo, a nossa prestação negocial foi medíocre. Entretanto, as coisas pioraram, pois o ministro do Planeamento dá sinais de conformismo e resignação. Trata-se de uma proposta em que Portugal perde 7% dos fundos de coesão, enquanto países bem mais ricos aumentam a sua dotação. Portugal perde 7%, mas a Espanha ganha 5%, a Itália 6% e a riquíssima Finlândia 5%. Que negociação de fundos é esta em que a política de coesão beneficia os países mais ricos e desenvolvidos e penaliza Portugal? O governo não tem qualquer desculpa que possa esgrimir. Em devido tempo, pôde contar com o sentido de Estado do PSD, ao subscrever um acordo que estabeleceu o objectivo (pág. 3) de não perder fundos, a preços correntes, relativamente ao pacote anterior. Acresce que, muito por obra do PSD, o Grupo PPE aprovou a resolução do PE que precisamente corrobora este objectivo de perda “0”. Convém não esquecer que a Comissária directamente responsável por esta proposta é socialista (Corina Cretu, Roménia). Não há, pois, desculpas para esta resignação. O primeiro-ministro e o ministro do Planeamento têm mesmo de esclarecer: aceitam ou vetam esta proposta perniciosa da Comissão?

3. A figura do ministro do planeamento emerge desta má negociação, mas também da execução sofrível do actual quadro de fundos e dos critérios questionáveis da respectiva reprogramação. Para já, tal ministro não passa de um proto-candidato a cabeça de lista às eleições europeias. Mas se a indicação se confirmar, e atenta a vaga de propaganda de obras públicas a que se dedicou em Janeiro, estamos diante de um candidato disfarçado de ministro e de um ministro em campanha dissimulada. Subsiste, pois, a legítima suspeita de que houve o aproveitamento de um cargo ministerial para engendrar e lançar um candidato. O chefe do executivo esquiva-se a fazê-lo, mas manda a mais elementar transparência que esclareça, quanto antes, se o Governo está mesmo a utilizar recursos públicos e aproveitar um cargo ministerial para promover o “seu” candidato.

4. A Comissão, por sua vez, acaba de propor que, em três domínios específicos da política externa, se transite da regra da unanimidade para a regra da maioria qualificada. Tendo em conta a complexidade da situação internacional, o "Brexit", a nossa vocação atlântica, africana e global, fará sentido, nesta altura, que Portugal prescinda de uma possibilidade de veto de último recurso? Portugal hoje conta, para muitos países do mundo, porque tem um voto, uma voz e um veto nas posições da UE. Timor não seria hoje independente se as decisões de política externa da UE fossem tomadas por maioria. Sabendo que o PSD, mesmo ao invés do PPE, está contra o fim da unanimidade na política externa; que posição tem o Governo e o PS? São a favor ou contra a unanimidade? De resto, impõe-se que clarifiquem ainda as posições ambíguas e dúbias na área da defesa. O PSD foi cristalinamente, em Lisboa e em Bruxelas, aquando da adesão à PESCO, a favor de estreita cooperação em segurança e defesa, mas ostensivamente contra a ideia de exército único. O governo e o PS são contra ou a favor de um exército único europeu?

5. Anda nas bocas do mundo o tema dos chamados impostos europeus. O PSD liderou sempre a oposição à criação de impostos europeus, em1999, contra Mário Soares e, depois em 2009, contra Vital Moreira. Ser contra um autêntico imposto europeu nada tem que ver com as novas receitas próprias – na área das transacções financeiras, das plataformas digitais ou ambientais e climáticas. Nesse caso, não se trata de impostos europeus; que, de resto, hoje não são possíveis segundo os tratados. Estas receitas não incidem sobre os contribuintes e, muito menos, sobre os contribuintes portugueses. Todo e qualquer tributo criado nestas áreas carecerá sempre de uma lei da Assembleia da República. Vale a pena, aliás, citar a cláusula que o PSD impôs no acordo sobre fundos (pág. 22) e que mostra que o PSD nunca esteve disponível para alienar a dita “soberania fiscal”: “acentuando a reserva de soberania dos Estados-membros na criação de impostos, é essencial reforçar a receita do orçamento europeu sem penalizar os contribuintes”. Não basta invocar e exibir os papéis desse acordo; acordo que afinal vincula e limita o PS! É preciso conhecer o conteúdo do acordo. E só depois falar.

6. Finalmente, choca deveras que a comunicação social receba como novidades em matéria europeia duas antigas propostas, quase caducas. Uma, a do “cartão vermelho” dos parlamentos nacionais em face de iniciativas da Comissão. O amarelo foi pouco usado, o laranja nunca o foi. E o vermelho, nas audições de 38 câmaras parlamentares por mim promovida aquando do último relatório sobre parlamentos nacionais, foi largamente rejeitado. E quanto à negociação com mandato, inspirada na prática dinamarquesa, vale a pena ir a Copenhaga e falar com os deputados. Todos dizem que funciona mal. E que a culpa não é das instituições europeias, é mesmo dos governos nacionais. Enfim, se cada parlamento fizer bem o escrutínio sobre o seu “executivo”, terá muito mais relevo europeu do que se lhe dermos mais dois ou três “brinquedos” institucionais.

NÃO. Pedro Sanchéz. O Presidente do Governo espanhol esticou a corda na aproximação ao independentismo catalão e criou uma séria crise política. Que se pode virar contra ele.

NÃO. Augusto Santos Silva. Apesar de escrever artigo na imprensa, continua sem explicar o que tem sido feito para lidar com a enorme perda geopolítica que o Brexit significa para o interesse de Portugal.

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