As muitas razões de 26 bloquistas para bater com a porta: “Resolvemos deixar o BE”

Isabel Louçã e João Carlos Louçã são dois dos subscritores da carta.

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Grupo de 26 bloquistas está descontente com o actual rumo do partido Rui Gaudêncio

São 26 os bloquistas que decidiram deixar o partido e muitas as razões que apontam numa extensa carta que já circula nas redes sociais: “Resolvemos deixar o Bloco porque não podemos ignorar o caminho de institucionalização dos últimos anos que transformou o partido, de instrumento de luta política, num fim em si mesmo”, lê-se na missiva assinada, entre outros, pelos irmãos do antigo dirigente Francisco Louçã – Isabel Louçã e João Carlos Louçã.

O documento, inicialmente divulgado pelos jornais i e Sol, começa e termina de forma clara: “Para nós, o tempo de militância no Bloco de Esquerda acabou. Começamos de novo quando ainda está tudo por fazer.” O PÚBLICO pediu uma reacção à direcção do partido, mas o BE não quis comentar.

Falam não só naquele “caminho de institucionalização”, como em “jogo da comunicação na sua forma burguesa”, em falta de “pensamento crítico”, entre muitas outras considerações sobre o rumo do partido coordenado actualmente por Catarina Martins. “O tacticismo de decisões, o jogo da comunicação na sua forma burguesa, a ausência de qualquer activismo local inserido numa estratégia de construção do partido, a progressiva ausência de pensamento crítico acompanhada pela hostilização da divergência interna e profundo sectarismo com outras forças de esquerda transformaram o BE num projecto reformista centrado na sua própria sobrevivência”, escrevem.

Consideram, por exemplo, que “é esse tacticismo que justifica a posição tíbia a propósito dos incidentes recentes no bairro da Jamaica no Seixal ou o desconforto sentido por ter sido um seu militante e assessor, Mamadou Ba, que protagonizou a denúncia de serem as forças policiais responsáveis por um racismo sistémico dirigido contra africanos e afrodescendentes dos bairros pobres”.

Os subscritores do documento entendem que, “ao ocultar esse racismo sistémico das forças de segurança e dos agentes do Estado, o BE coloca-se no lado errado do combate anti-racista e perde espaço junto de uma geração que perdeu o medo e que trava os combates decisivos do nosso tempo”. Mas não só. Estes bloquistas que decidiram sair lamentam que seja aquele “tacticismo” que faz o BE “abdicar de posições claras e de agir em conformidade como no caso da questão da renegociação da dívida externa que era central e incontornável com o Governo anterior, agora transformada em mero pormenor retórico que não perturba o apoio a um Governo que perpetua a austeridade”.

Este grupo defende que o BE não está a lutar como devia contra o sistema capitalista, contra as desigualdades, contra a dominação do mercado e da finança. Nesse sentido, defendem não uma esquerda “paliativa, em que o resultado da sua acção é a integração no sistema que deveria combater”, mas “uma esquerda com um projecto radical para a sociedade”.

Acusações de perseguição

Nem só de críticas vive a carta. Também há acusações de perseguições e expulsão de militantes: “Sem espaço para a construção colectiva, perseguindo e expulsando militantes, manipulando eleições internas de forma a garantir a ficção de um partido coeso, ao mesmo tempo que a grande maioria dos e das aderentes se abstém em todos os processos de debate e decisão onde imperam os acordos de cúpula, o Bloco tornou-se numa organização hierárquica e cristalizada”, lê-se. Nesse sentido, este grupo considera que o partido coordenado por Catarina Martins “deixou de servir” para pensar “colectivamente os caminhos da emancipação, deixou de ser capaz de uma prática política coerente com as tradições comunistas, socialistas ou libertárias, deixou de ser capaz de transformar esperança militante em energia transformadora”.

Apesar das críticas e acusações, garantem que continuarão “a partilhar com tantas pessoas do Bloco espaços e projectos, acção concreta e militâncias”, conscientes de que “a esquerda não se esgota nas suas representações parlamentares, institucionais ou sequer partidárias, que a esquerda que faz falta para este século está em grande medida por construir”.

E, sobre o futuro e os sufrágios que se avizinham, escrevem: “Em ano de eleições europeias e legislativas, a ideia de que o partido está unido será pouco beliscada por esta nossa decisão, certamente menorizada e combatida politicamente. Com humildade, respondemos antecipadamente que, depois das eleições, o país continuará profundamente desigual, a precariedade continuará a crescer nas relações de trabalho, o capital a ser um instrumento da sua própria acumulação através da exploração incessante do trabalho e das classes que dele vivem.”

Argumentam que “a esquerda que varreu o projecto revolucionário para debaixo do tapete, numa tentativa de ganhar respeitabilidade, não será assim tão diferente da esquerda que dele abdicou há muito” e garantem: “Pela nossa parte continuaremos o combate, pelos meios ao nosso alcance, para uma alternativa que não se limite a gerir o sistema existente, mas que procure os caminhos para sua superação revolucionária”.

Assinam ainda o documento Alex Gomes, Alistair Grant, Ana Margarida Tavares dos Santos, André Rodrigues Pereira, Ângela Patrícia Teixeira Fernandes, Elisabete Figueiredo, Filipe Teles, Irina Castro, João Azevedo, João Freitas, João Rodrigues, José Viana, Leonardo Silva, Maria da Graça Pacheco, Maria Emília Gomes, Maria José Martins, Mário Martins, Nuno Pacheco dos Santos Costa, Paula Coelho, Paulo Martins, Pedro Santos Costa, Ricardo Cabral Fernandes, Sérgio Vitorino e Tiago Braga.

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