Portugal acusa Maduro de bloquear “milhões de euros” de ajuda à Venezuela

Chefe da diplomacia portuguesa diz na Assembleia da República que “o tempo do regime [de Maduro] já passou”: “Nenhum regime sem apoio social e sem legitimidade social mínima consegue sobreviver.”

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Ministro respondeu aos deputados durante uma hora e meia LUSA/MANUEL DE ALMEIDA

O regime do Presidente venezuelano Nicolás Maduro está a impedir a entrada de milhões de euros “canalizáveis” para reduzir a crise humanitária da Venezuela, acusou esta terça-feira o ministro português dos Negócios Estrangeiros durante uma audiência parlamentar.

“Há milhões de euros colocados à disposição da Venezuela pela União Europeia, milhões de euros canalizáveis em ajuda humanitária sem nenhuma espécie de contaminação política”, disse o ministro Augusto Santos Silva, chefe da diplomacia e número dois do Governo do primeiro-ministro, António Costa.

O ministro refere-se à “ajuda humanitária organizada apenas por instituições humanitárias como a Cruz Vermelha, a Igreja Católica, a Cáritas e as Nações Unidas”. Essa ajuda não chega à Venezuela “porque as operações são impedidas pelas autoridades de facto que controlam o aparelho de segurança da Venezuela, as autoridades ligadas ao senhor Nicolás Maduro”, disse o ministro. “Isso tem agravado a situação humanitária no país e tem impedido que seja mitigada ou contrariada.”

A pedido do PSD, Santos Silva respondeu a uma hora e meia de perguntas da Comissão de Negócios Estrangeiros da Assembleia da República, durante a qual voltou a dizer que “o tempo do regime [de Maduro] já passou”. “Nenhum regime sem apoio social e sem legitimidade social mínima consegue sobreviver”, disse o ministro. “Pode demorar tempo [a cair]. Quanto mais tempo demorar, maior será o sofrimento.”

Portugal “tem pressionado o regime de Maduro a reconhecer que, à gravíssima crise económica e social que a Venezuela vive, se acrescenta uma dimensão humanitária não menos preocupante”, disse o ministro. Essa dimensão é visível no “êxodo de venezuelanos”, pessoas que, “técnica e juridicamente, devemos chamar ‘refugiados’”. As pessoas saem da Venezuela “contra a sua vontade” porque pensam, “com razões fundadas”, que a sua vida corre perigo. “Corre perigo por questões de insegurança e sobretudo por questões de privação material extrema: na Venezuela, há hoje características típicas de colapso do Estado.” O “colapso do Estado” é visível em três frentes: abastecimento (alimentos), funcionamento de serviços públicos mínimos (atendimento hospitalar) e provisão de bens essenciais (medicamentos). “Esta dimensão humanitária deve ser reconhecida. Infelizmente, o regime de Nicolás Maduro tem sido intransigente na negação desse reconhecimento.”

O ministro voltou a frisar que Portugal é contra qualquer tipo de intervenção externa na Venezuela e que, ao contrário dos EUA e de alguns países da América Latina, para Lisboa “não estão todos os cenários em cima da mesa”. Santos Santos insistiu que a Venezuela “tem um problema político” e que o actual “impasse político só pode ser resolvido de uma forma: uma transição pacífica, ou seja, eleições presidenciais”.

Ficou expresso no debate que o PS, PSD e CDS apoiam a política e as iniciativas do Governo em relação à crise da Venezuela; que o Bloco de Esquerda tem reservas; e que o PCP está frontalmente contra. A deputada comunista Carla Cruz disse que Portugal está a praticar uma "política de ingerência" que “não salvaguarda os interesses dos portugueses” e que o Governo está “alinhado com um Presidente fantoche [Juan Guaidó], alinhado com a Administração Trump, alinhado com os responsáveis por tentativas de golpes de Estado, violência e terrorismo, sanções e bloqueios económicos, confiscação ilegal de bens e recursos financeiros”.

O ministro Santos Silva insistiu que o reconhecimento do Presidente da Assembleia Nacional como Presidente interino com mandato para organizar novas presidenciais "não é um apoio de Portugal às declarações de Juan Guaidó”, nem “é um apoio ao programa de Juan Guaidó — não temos candidatos nem programas para a Venezuela, não somos partidários de Guaidó, nem adversários de Maduro”. Lisboa, rematou, defende que só se resolve o impasse político de uma forma: eleições. “É um caminho estreito, mas é o único."

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