O processo independentista catalão chega a tribunal

Nos próximos meses a política espanhola estará refém deste julgamento. Para o MP, os independendistas desenharam um plano secessionista; as defesas admitem que as condenações são inevitáveis

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ENRIC FONTCUBERTA/EPA

Todos queriam que começasse, todos querem que acabe. Terminam aí os pontos de encontro entre acusações e defesas, políticos e juízes, Governo espanhol e Generalitat. O processo independentista catalão chega hoje ao Supremo Tribunal de Espanha, sete juízes, 12 acusados — os que não passaram a fronteira, como Carles Puigdemont, dias depois de declarar a independência, nos últimos dias de Outubro de 2017.

São, como sempre, duas narrativas, desta vez com mais matizes. Há três acusações, que pedem a condenação de diferentes acusados por crimes diferentes, sentenças diferentes também (dos sete aos 74 anos), e pouco em comum têm as estratégias das defesas — para além de quase todas considerarem as condenações inevitáveis em Espanha e estarem a preparar-se para o verdadeiro processo, depois, no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.

“Querem fazer um espectáculo de justiça espanhola tradicionalista, especialmente para os seus colegas do tribunal alemão que disseram que não havia rebelião”, diz Àlex Solà, um dos advogados de Jordi Cuixart, presidente da Òmnium Cultural. “Vamos tentar fazer um julgamento como se diante de nós estivesse um verdadeiro tribunal mas não é esse o caso.”

A defesa de Jordi Cuixart é o ataque, a denúncia da repressão do Estado contra os seus “direitos fundamentais, de reunião e de associação”. A justiça alemã (e antes a belga) recusou extraditar Puigdemont para ser julgado por “rebelião”, crime que implica violência. A Procuradoria mantém esta acusação, a Advocacia do Estado decidiu-se pela “sedição”, que também implica alguma violência mas com penas muito mais baixas.

O “roteiro” para a independência, que teria sido definido em 2015, pelo conjunto do então governo catalão e os líderes das organizações da sociedade civil Associação Nacional Catalã (ANC) e Òmnium, e as chefias dos Mossos d’Esquadra, a polícia catalã, é a base da acusação.

Para o Ministério Público, “o plano secessionista contemplava a utilização de todos os meios que fossem precisos para alcançar o seu objectivo, incluindo a violência necessária para assegurar o resultado criminoso pretendido”. Os independentistas pretendiam usar “a força intimidatória” que representava “a actuação tumultuosa aplicada com grandes mobilizações de cidadãos instigadas e promovidas por eles”; por outro lado, “o uso dos Mossos d’Esquadra”, a polícia catalã, com 17 mil efectivos.

As leis aprovadas pelo parlamento catalão no início de Setembro — a do referendo e a da transição para a república, que o Tribunal Constitucional viria a anular, as manifestações de 20 e 21 de Setembro em redor do Departamento de Economia da Generalitat, o referendo de 1 de Outubro, a declaração de independência de dia 27, são os pontos altos da concretização deste plano. Violência, dirão as defesas, só houve a da polícia no dia do referendo, mas o Ministério Público e o partido Vox sustentam que nesse dia “massas de cidadãos” foram usadas contra as instituições espanholas.

Nos próximos meses a política espanhola estará refém de um julgamento que terá Mariano Rajoy como testemunha e o secretário-geral do partido de extrema-direita Vox, o advogado Javier Ortega Smith, vestido de toga a interrogá-lo — em Espanha existe a figura da “acusação popular” e a formação tem sabido usá-la para ter palco mediático, e lá estará, na Sala de Plenários do Supremo Tribunal, ao lado dos representantes da Procuradoria e da Advogacia do Estado (Ministério da Justiça).

Mariano Rajoy recusou dialogar com os líderes independentistas catalães — não havia nada a negociar, referendar a independência de uma parte de Espanha não é permitido pela Constituição —, estes avançaram para uma consulta que visava obrigá-lo a fazer isso mesmo (dirão as suas defesas) ou que, segundo as acusações, tinha como objectivo impor uma república catalã por quaisquer meios.

Isto em plena campanha eleitoral para as eleições europeias de Maio, que para os espanhóis coincidem com eleições autonómicas e municipais em quase todo o lado. Isto se o Orçamento do Estado que esta semana começará a ser debatido no Congresso não for chumbado.

Oriol Junqueras, vice de Puigdemont e líder da ERC (Esquerda Republicana da Catalunha), e considerado o cabecilha na ausência do presidente, enfrenta as penas mais graves: a Procuradoria pede 25 anos por “rebelião e desvio de fundos”; a Advocacia do Estado 12 anos por “sedição e desvio de fundos”; o Vox pede 74 anos por “rebelião”. Junqueras é candidato às eleições europeias. Segundo uma sondagem do Gabinete de Estudos Sociais e Opinião Pública da Catalunha, o partido de Junqueras seria o mais votado se voltassem a realizar-se eleições autonómicas — e o independentismo voltaria a ser maioritário.

Para os líderes da ANC e da Òmnium, Jordi Sànchez e Jordi Cuixart, e a ex-presidente do parlamento catalão (antes, da ANC), Carme Forcadell, pedem-se penas de 17 anos por “rebelião”, oito por “sedição”, 62 por “rebelião”.

Pedro Sánchez chegou ao poder em Junho com o apoio dos independentistas catalães a uma moção de censura ao primeiro-ministro conservador, Mariano Rajoy. Precisa dos mesmos votos para fazer aprovar o Orçamento — na sequência da manifestação que juntou a direita do Partido Popular e do Cidadãos à extrema-direita do Vox, domingo, em Madrid, o primeiro-ministro socialista voltou a pressionar a ERC e o PDeCAT (de Puigdemont), dizendo-lhes que sem Orçamento haverá eleições, já em Abril.

As sessões vão realizar-se de terça a quinta-feira e todas serão transmitidas em directo online — resposta dos juízes depois de recusarem a presença de observadores internacionais em tribunal. Serão chamadas 500 testemunhas e o tribunal acredita que o julgamento não vai durar mais de três meses.

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