Trump está "muito insatisfeito" com acordo sobre a fronteira, mas não ameaça vetá-lo

Os negociadores dos dois partidos norte-americanos chegaram a um acordo que evita um novo encerramento de agências públicas, mas as condições foram mal recebidas por apoiantes do Presidente Donald Trump.

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Donald Trump num comício em El Paso Reuters/LEAH MILLIS

Um grupo de trabalho do Partido Democrata e do Partido Republicano deu um primeiro passo para se evitar um novo encerramento de agências e departamentos públicos norte-americanos a partir do próximo sábado, que deixaria 800 mil funcionários sem salário por tempo indeterminado e pela segunda vez desde Dezembro. Mas esse primeiro passo pode ser curto demais para se transformar num salto de gigante: o acordo ainda não recebeu luz verde da Casa Branca, e os negociadores republicanos aceitaram condições que estão a ser duramente criticadas pelos apoiantes mais fervorosos do Presidente Trump.

Ao fim de quase três semanas de discussões, os representantes dos dois partidos aprovaram um acréscimo de quase 1,4 mil milhões de dólares (1,2 mil milhões de euros) para o reforço da segurança na fronteira com o México, um valor muito inferior aos 5,7 mil milhões de dólares (cinco mil milhões de euros) que o Presidente Trump exigiu em Dezembro.

E esse dinheiro só pode ser gasto na construção de 88 km de vedações e barreiras com colunas de ferro – e não na construção de um muro de betão ao longo de 346 km na fronteira entre os dois países, como Trump também exigiu há dois meses.

Durante a campanha eleitoral de 2015 e 2016, Trump prometeu mandar construir um muro de betão ao longo dos 3100 km da fronteira com o México, mas agora está apenas em discussão a primeira fase dessa construção.

Para além do financiamento da segurança na fronteira, os dois lados chegaram a acordo sobre o número de lugares disponíveis para as pessoas que são detidas no interior do país por não terem documentos.

Enquanto o Partido Democrata exigia a imposição de um limite máximo a essas detenções (para obrigar os agentes a concentrarem-se nas pessoas com cadastro e comprometer a política da Administração Trump de deter qualquer pessoa em situação ilegal), o Presidente Trump exigia um aumento do número de lugares disponíveis, para quase 52 mil.

No final, o Partido Democrata deixou cair o limite máximo e o Partido Republicano aceitou financiar directamente 40.250 lugares, um número que pode chegar aos 58 mil de forma indirecta, segundo os negociadores republicanos.

Críticas à direita

Mas para que este plano vá mesmo para a frente – e para que se evite um novo encerramento de agências e departamentos federais já a partir de sábado –, o Presidente Trump tem de dizer que concorda com ele. É uma decisão difícil de tomar, principalmente depois de alguns dos seus mais conhecidos apoiantes terem recebido o acordo com duas pedras na mão.

Na Fox News, o influente apresentador Sean Hannity – uma das figuras a quem o Presidente Trump pede opiniões – chamou ao acordo um "compromisso de lixo", e deixou um recado para o Partido Republicano: "Qualquer republicano que apoie este compromisso de lixo terá de se explicar perante o país."

Na noite de segunda-feira, o Presidente norte-americano esteve num comício na cidade texana de El Paso, mesmo em frente a Ciudad Juárez, no México.

Nessa ocasião, anunciou que estavam a ser feitos progressos nas negociações no Congresso, mas não quis dizer que progressos eram esses. Para alguns analistas, isso foi um sinal de que o Presidente norte-americano não estava confortável para apresentar aos seus apoiantes um resultado aquém daquilo que eles exigem e do que lhes foi prometido.

E o pouco habitual silêncio na sua conta no Twitter, esta terça-feira, indicava o mesmo – se o Presidente norte-americano tivesse a certeza de que conseguia apresentar-se como vencedor claro das negociações sobre o muro, essa notícia seria uma forte candidata a ser anunciada aos seus 58 milhões de seguidores.

Ao fim da tarde, Trump comentou pela primeira vez o acordo, dizendo que não está satisfeito – mas também não prometeu vetá-lo.

"Estou extremamente insatisfeito com o que nos foi dado pelo Partido Democrata. Mas acho que não vamos ter um novo shutdown", disse Trump numa curta declaração nos corredores da Casa Branca.

Decreto ou emergência?

O pano de fundo desta batalha política é a promessa de Trump de construir um muro na fronteira com o México para combater a imigração ilegal.

Vista pelos seus apoiantes mais fervorosos como a promessa mais importante da campanha eleitoral que lhe deu as chaves da Casa Branca, o muro tornou-se um símbolo das profundas divergências entre o Partido Democrata e o Partido Republicano: para muitos democratas, é uma construção "imoral" e desnecessária; para muitos republicanos, é essencial para o combate à imigração ilegal.

Em Dezembro do ano passado, quando o Congresso estava obrigado a aprovar os orçamentos anuais de várias agências e departamentos públicos, incluindo o Departamento de Segurança Interna, a questão do muro saltou para a linha da frente.

Para aprovar esses orçamentos, o Presidente Trump exigia que o bolo do Departamento de Segurança Interna crescesse mais 5,7 mil milhões de dólares, para se começar a construir o muro; mas o Partido Democrata disse que nunca aprovaria a construção do muro e aceitou reforçar o orçamento com 1,3 mil milhões de dólares, e nem um cêntimo para se construir um muro – em vez disso, os democratas queriam comprar mais material tecnológico e mais guardas para a fronteira.

Como não houve acordo, as agências em causa deixaram de ter dinheiro para funcionar em pleno a partir do dia 22 de Dezembro. E deixaram de pagar salários a 800 mil funcionários – cerca de metade foram enviados para casa e os restantes continuaram a trabalhar em tarefas consideradas essenciais.

Essa situação arrastou-se por 35 dias, até que o Presidente Donald Trump aceitou as condições impostas pelo Partido Democrata: aprovar um orçamento de curto prazo, até 15 de Fevereiro, para que as agências fossem reabertas, e continuar a discutir a questão de fundo.

O resultado dessa discussão foi anunciado na noite de segunda-feira, mas o processo está longe de ser encerrado. Mesmo que aceite o acordo, o Presidente Trump pode aproveitar os 1,7 mil milhões de dólares desbloqueados pelo Partido Democrata para construir vedações e barreiras, e depois fazer uma de duas coisas: ou assinar um decreto presidencial para deslocar verbas destinadas a situações de emergência na Califórnia e em Porto Rico; ou declarar uma emergência nacional na fronteira com o México e mandar o Exército construir o muro.

Nenhuma dessas soluções é pacífica, nem no Partido Democrata, nem no Partido Republicano. Do lado dos democratas, é certo que um decreto presidencial ou a declaração de uma emergência nacional seriam contestadas nos tribunais, e os senadores republicanos não se sentem confortáveis com a ideia de um Presidente que usa os seus poderes executivos para contornar o Congresso numa decisão tão polémica no país – se isso acontecer com o Presidente Trump, um futuro Presidente do Partido Democrata poderá fazer o mesmo.

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