Concurso para comboios da CP deixa chineses de fora

Especificações do caderno de encargos obrigam a que os fabricantes já tenham comboios seus em circulação na União Europeia.

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paulo pimenta

O concurso internacional para a compra de novos comboios para a CP privilegia empresas que já tenham comboios a circular na Europa e impede o acesso de outros fabricantes, nomeadamente chineses.

O caderno de encargos exige que os candidatos possuam “instalações de fabrico e sistemas de qualidade certificado conforme o normativo ISO 9001” e que tenham experiência no fornecimento de automotoras para serviço regional ou de longo curso, projectadas de acordo com a ETI Lec&Pas e autorizadas em conformidade para operação em pelo menos um Estado-membro da União Europeu, nos últimos cinco anos”.

Estas especificações afastam os chineses, que não têm comboios seus a circular nos carris dos caminhos-de-ferro europeus. De fora fica, assim, a China Railway Rolling Stock Corporation (CRRC), a gigante ferroviária estatal chinesa que, de acordo com um seu representante, que pediu o anonimato, terá ficado surpreendida com estas exigências. Tanto mais que, no caso do concurso do Metro de Lisboa, a CRRC foi aceite, em parceria com a francesa Thales. Este consórcio passou, inclusive, à fase de qualificação, e disputa o fornecimento de comboios ao metro lisboeta com a CAF/Bombardier, Stadler/Siemens e Alstom.

“Não temos dúvidas que as especificações do caderno de encargos foram feitas para afastar propositadamente qualquer concorrente da China, cuja tecnologia na indústria ferroviária está actualmente ao nível do que melhor se faz na Europa, mas com preços mais baratos”, disse ao PÚBLICO um consultor da CRRC. “E também acreditamos que o lobby de alguma indústria ferroviária europeia é muito forte junto dos decisores do sector em Portugal”, acrescentou.

A CRRC é a maior fabricante de comboios do mundo e a sua facturação, de 26 mil milhões de euros, mais do que triplica a facturação dos três maiores fabricantes do sector – Alstom, Bombardier e Siemens – que somam oito mil milhões de euros. Os números são da agência France Press que explica como os chineses estão a tentar entrar na Europa, começando por fornecer serviços ao Metro de Londres e à Deutsche Bahn (DB) e “atacando” pelo Leste, com concursos de material circulante já ganhos na Macedónia e na Sérvia.

A República Checa será, porém, o primeiro país europeu onde a CRRC terá comboios a circular e, ainda por cima, de alta velocidade. Segundo o Le Monde, os chineses ganharam em 2016 um concurso para fornecer três comboios de alta velocidade a um operador privado checo, derrotando a Alstom, a empresa que é a “mãe” do TGV. Um marco que o matutino francês classifica de “electrochoque” e que fez soar campainhas de alarme na indústria ferroviária europeia.

Não admira, por isso, a virulência com que a Alstom e a Siemens reagiram à decisão da Comissão Europeia em impedir a fusão das duas empresas, que pretendiam ser uma espécie de “Airbus da indústria ferroviária”. De acordo com comissária europeia para a Concorrência, Margrethe Vestager, caso o negócio avançasse, “iria reduzir significativamente a concorrência nos mercados dos sistemas de sinalização ferroviária e dos comboios de alta velocidade”, já que iria implicar “uma posição dominante” neste sector a nível europeu. “A fusão poderia ter tido aval se os remédios que nos foram apresentados nos tivessem dado garantias de concorrência, mas os remédios propostos não foram suficientes para colmatar as nossas preocupações”, salientou a comissária.

À argumentação de Bruxelas sobre a aplicação do estrito cumprimento das regras europeias da concorrência, os dois maiores fabricantes europeus opuseram a necessidade de a União Europeia ganhar músculo neste sector perante uma América isolacionista e uma China expansionista. Segundo sublinhou o presidente executivo da Siemens, Joe Kaeser, em comunicado, “proteger os interesses dos consumidores locais não significa privar a Europa de estar em pé de igualdade com empresas de países como a China e os Estados Unidos”.

Mas, para já, no modesto concurso português – 22 automotoras para serviço regional – a indústria europeia tem via livre para poder concorrer sem a surpresa dos baixos preços chineses. A Talgo foi a primeira a anunciar que estava interessada, devendo apresentar-se na corrida a também espanhola CAF, a francesa Alstom, a alemã Siemens, a suíça Stadler e a germano-canadiana Bombardier.

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