As leis da natureza e a sustentabilidade

As presentes propostas de “desenvolvimento” para o estuário do Tejo e do Sado são apenas alguns exemplos em como os interesses económicos e políticos atropelam a salvaguarda de zonas húmidas com estatuto de protecção.

Sustentabilidade é, actualmente, um vocábulo “politicamente correcto” e o seu uso é generalizado, na sociedade, como sinónimo de comportamento comedido de consumo. Palavras vãs e vazias quando as acções não se coadunam com o que se apregoa. A sustentabilidade é uma característica dos sistemas naturais, onde as leis da natureza asseguram os fluxos de energia e matéria entre os diferentes compartimentos: solo, organismos vivos e atmosfera num ciclo harmonioso e equilibrado. A biodiversidade presente oferece elevada resiliência pelo estabelecimento de ligações e parcerias entre indivíduos da mesma espécie e de espécies diferentes, assegurando uma diversidade funcional sustentável. Mas a sustentabilidade dos sistemas naturais não é alcançada, apenas, por uma maior diversidade. Mais biodiversidade sem interacções entre organismos, antes com espécies oportunistas e competitivas, origina sistemas fragilizados pouco ou nada sustentáveis. A dificuldade está, pois, em saber gerir ecossistemas, sem conhecer ou ignorando as leis da natureza, mas com o objectivo de os preservar para que continuem a prestar serviços de que os seres humanos dependem, como a qualidade da água, do ar, a regulação climática, entre outros.

Vem isto a propósito dos atropelos consecutivos que se observam na gestão do território, em prol da necessidade do desenvolvimento económico e turístico, particularmente das zonas húmidas. Passou, por isso, despercebido o Dia Internacional das Zonas Húmidas, a 2 de Fevereiro. Estas zonas incluem ambientes aquáticos do interior e costeiro, em que a água cobre o solo ou está presente à superfície, por períodos variáveis ao longo do ano. Ou seja, estão sujeitos a um gradiente hídrico, com situações de seca ou alagamento, que suporta uma flora e fauna únicas. Portugal assinou a Convenção das Zonas Húmidas em 1980 e, desde então, alargou a lista a 31 sítios de importância internacional e com estatuto de protecção legal. Apesar do seu estatuto, a degradação destas zonas é visível. A especulação da construção, a agricultura intensiva, o abandono, a acumulação de lixo e a poluição das águas são alguns dos factores que contribuem para a degradação, um pouco por todo o território. Sendo zonas degradadas, muitas vezes de águas poluídas e paradas, são locais propícios para o aparecimento de mosquitos. A baixa educação ambiental e o notório desinvestimento de protecção fazem destes ecossistemas peri-urbanos locais de repúdio, afastamento e abandono. É um círculo vicioso por falta de estratégia política, compromisso municipal e literacia ambiental.

Assim, as zonas húmidas são sempre desvalorizadas durante o planeamento e desenvolvimento de projectos económicos, por omissão e desconhecimento dos serviços que fornecem. São áreas fundamentais para a sustentabilidade das cidades, pelo seu papel na mitigação de riscos das alterações climáticas: servem de barreira contra as ondas ou a subida das marés, junto às zonas costeiras, protegem as terras de erosão funcionando como filtro de poluentes e sedimentos arrastados por rios e/ou enxurradas, permitem a depuração das águas, são sorvedouros de dióxido de carbono pela diversidade de microalgas, algas e plantas, que dão suporte a uma variada cadeia alimentar, são viveiros e abrigos de espécies que ali ocorrem de forma sazonal assegurando muitas das populações piscícolas, fundamentais para a indústria pesqueira ou pesca lúdica.

As presentes propostas de “desenvolvimento” para o estuário do Tejo e do Sado são apenas alguns exemplos em como os interesses económicos e políticos atropelam a salvaguarda de zonas húmidas com estatuto de protecção. O problema destes projectos não é tanto as obras em si, mas as infra-estruturas subjacentes ao desenvolvimento subsequente. Tudo isto tem como consequência a poluição das águas e da atmosfera, impermeabilização do solo, erosão de zonas marginais, com arrastamento de poluentes ali retidos, alteração do curso de retenção de águas, perda de habitat de espécies e introdução de espécies invasoras. Mas a apresentação dos benefícios económicos de forma determinística pelo poder político é aceite pela sociedade peri-urbana, que considera os espaços degradados e com “baixo valor económico”. Salvo raras excepções, desinteressam-se dos avisos sobre as consequências ambientais, mais complexas, não imediatas e influenciadas por uma miríade de factores variáveis no tempo.

Até onde vai a visão estratégica de uma nação que não compreende que a sustentabilidade não depende do valor económico mas da capacidade dos sistemas naturais poderem ter capacidade de resistir às ameaças das alterações globais? O futuro da sustentabilidade da biosfera está nas mãos desta geração. Mas está sobretudo no poder político, que deve saber preservar a biodiversidade e respeitar as leis da natureza para valorizar os serviços dos ecossistemas, dos quais os seres humanos dependem.

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