Santana, a teoria e a prática

Num país no qual o espírito da Constituição e a interpretação que os principais partidos lhe dão tendem a apostar num Estado sempre presente, a proposta de Santana é, no mínimo, ousada.

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Miguel Manso

Pedro Santana Lopes é o principal activo e o maior óbice do Aliança que este fim-de-semana nasceu num congresso em Évora. O partido apresenta-se com um programa ousado e um discurso novo no âmbito da direita e essa atitude de rebeldia e inconformismo têm claramente a marca de Pedro Santana Lopes. Mas propõe também uma estratégia e uma ambição que exigem maturidade, consistência e um saber-fazer baseado no estudo e na ponderação que se afastam da imagem que Santana Lopes tem como legado. Saber se a novidade programática vai valer mais do que o carisma e imagem pública do líder é crucial para se antecipar o sucesso ou o insucesso do Aliança. Para já, porém, há na sua proposta ideias que vale a pena discutir.

A primeira tem a ver com um novo posicionamento face à União Europeia, que São José Almeida observou e detalhou na sua análise sobre o congresso de Évora. Não é aqui que Santana e o Aliança marcam pontos – o discurso soberanista tem um óbvio ranço conservador que não se coaduna com a sugerida abertura liberal. Mais estimulante para se discutir é o desenho do “Estado solidário” que se propõe acabar com a gratuitidade e a gestão pública de serviços como a Saúde e a Educação. Aqui, Santana não formula nada de novo, mas tem o mérito de ocupar um espaço que por definição o PS recusa e que, por opção, o actual PSD de Rui Rio afasta. O espaço que Passos Coelho ensaiou e acabou por não ocupar.

Depois de uma experiência governativa marcada pelo privilégio das políticas públicas, com destaque para o funcionalismo, Santana Lopes sabe que há uma legião de órfãos do PSD (e também do CDS) à espera de representação. É o país dos pequenos empresários, dos profissionais liberais que protestam contra a carga fiscal, dos homens de negócios que se sentem marginalizados na definição de prioridades políticas, dos cidadãos de médios rendimentos que não percebem que têm de pagar as mesmas propinas que um milionário. Santana viu a porta aberta e quer ir por lá – junta-se à Iniciativa Liberal, que será curioso acompanhar.

Num país no qual o espírito da Constituição e a interpretação que os principais partidos lhe dão tendem a apostar num Estado sempre presente, a proposta de Santana é, no mínimo, ousada. Saber se ele tem dedos para tocar essa guitarra é uma conversa completamente diferente.

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