As viagens uniram-nos, agora viajam a mudar o mundo

Tiago Dias Miranda e Vana Shafis conheceram-se em Bali, na Indonésia, e, numa história de amor à primeira vista, perceberam que precisavam de viajar juntos. Agora andam a recriar culturas através de peças de roupa de edição limitada.

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Nuno Ferreira Santos
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Ele, de 32 anos, é português, apaixonado pelo design social e cresceu em viagem por força do trabalho do pai. Ela, indonésia, tem 24, gosta de explorar as músicas do mundo com a voz e, até há pouco tempo, nunca tinha saído do Sudeste asiático. O acaso cruzou-os em Bali e, numa história de amor à primeira vista, perceberam que precisavam de viajar juntos, de viver o mundo. Foi a escolha por Lisboa — “pelo fado, que sempre tive vontade de compreender melhor”, diz Vana Shafis; “para mostrar à Vana um pouco do que eu sou”, explica Tiago Dias Miranda — que fez com que nos cruzássemos com o casal que está por cá para dar continuidade aos dois projectos nascidos na Indonésia: com um pretendem recriar culturas através de peças de roupa de edição limitada; com outro, uma discográfica digital, apoiar artistas de rua.

“Com o primeiro projecto a ideia passa por criar peças exclusivas de cada local pelo qual passamos”, explica Tiago. As experiências arrancaram ainda antes de se fazerem à estrada. Na Indonésia, desenvolveram o conceito da Mafofa (que em português poderá ser traduzido para “minha querida”). “O objectivo passa por estudar a cultura, vivê-la e ir em busca do padrão e do tecido que melhor a represente”, descreve Vana, que se responsabiliza pelo desenho das roupas. Depois dos esboços criados e dos moldes cortados — um para mulher, outro para homem —, é contratado um artesão local para as confeccionar à medida, estimulando a economia, ainda que numa pequena escala. 

Já o negócio é feito da forma mais simples possível: as primeiras peças que realizam são para os próprios, que as divulgam usando-as. E o sucesso não tardou: “Logo no arranque, tivemos mais encomendas do que estávamos à espera, mas quando voltámos para adquirir mais tecido com aquele mesmo padrão já não havia o suficiente.” “Basta que mudemos de local para que se torne praticamente impossível repetir padrão e tecido.” Perceberam, assim, que, mesmo não tendo por objectivo roupas em série, teriam de começar a reservar mais matéria-prima. “Queremos criar no máximo umas dez peças iguais; assim, não serão únicas, mas ainda bastante exclusivas.”

Em Portugal, ainda não encontraram o tema nem o têxtil que servirão de base às roupas de inspiração lusa, mas continuam a percorrer o país a conhecer tradições e à procura do padrão e do tecido ideais para transmitirem o que têm vindo a apreender da cultura portuguesa. 

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Não dão, porém, o tempo por perdido, uma vez que há outro projecto que os move e que se encontra prestes a arrancar: a Give a Damn Recordings, uma discográfica digital cuja criação pretende dar visibilidade a músicos de rua excepcionais com os quais se vão encontrando pelo mundo. “A ideia é, caso aceitem, gravá-los, editar os vídeos e partilhá-los em plataformas em que as pessoas possam contribuir — uma espécie de crowdfunding alargado no tempo, em que alguém pode, por exemplo, contribuir com um euro por mês.” Do valor angariado, parte será entregue ao músico que protagoniza o vídeo: “Não será um projecto que vá dar muito dinheiro, mas para um artista de rua, por exemplo na Indonésia, uns quantos euros fazem muita diferença.”

Ainda que, aparentemente, distantes, ambos os projectos tocam-se na forma como o casal pretende deixar uma marca positiva à sua passagem. Também têm em comum o facto de, mesmo podendo ser lucrativos, não serem rentáveis o suficiente para pagar as viagens que ainda agora começaram. Facto que não enfrentam como um problema uma vez que, acreditam, é a trabalhar numa comunidade que se consegue conhecer mais dela: assim, o plano passa por irem arranjando trabalho.

Certo é que as duas ideias que lhes servem de fio condutor às viagens não nasceram por acaso e estão associadas ao que Tiago vinha a fazer desde que decidiu trocar o aprender a desenhar cadeiras e mesas no curso de Design — “cadeiras e mesas sofisticadas, mas apenas cadeiras e mesas” — por aplicar as ferramentas da resolução de problemas da disciplina a questões sociais, “numa altura em que o Design Social ainda não era muito falado”. Mas também ao trajecto de Vana, ligado às artes, primeiro através da Dança, que estudava em Jacarta, depois pela Música, tendo assumido o papel de vocalista de uma banda de blues até ter deixado a Indonésia.
Mas se para Vana tudo fez sentido assim que conheceu o Tiago (“era suposto ser só um fim-de-semana, mas os dois dias foram sendo adiados… de forma indefinida — até agora”, riem-se), para ele o caminho foi mais longo. 

Depois do curso de Design, foi aceite num mestrado em colaboração com Muhammad Yunus, Prémio Nobel da Paz em 2006 e criador dos microcréditos que o levou “à Índia, à Colômbia, à Sicília, onde foram criados projectos-piloto”. O sonho tornado realidade deu-lhe um passe para Madrid, onde trabalhou numa consultora de design com um forte cariz social. Até que a leitura do The 4-Hour Workweek, de Tim Ferriss, o levou a querer testar o que o autor defendia: “criar projectos de forma a ter tempo e, consequentemente, o controlo sobre a vida”. Foi assim que voltou a África, onde passou nove meses a trabalhar em distintos projectos, apenas para perceber que continuava “a criar remendos”. 

Entendi que a forma mais efectiva de conseguir ter algum impacto no mundo seria mudando a minha trajectória, passando a trabalhar em projectos ligados à educação e à informação.” É com a produtora espanhola Playground que desenvolve a ideia de passar do like ao share e depois ao do.” E foi nesse “do”, de fazer, que decidiu percorrer a Ásia, começando pela Indonésia. 

“E ao quarto dia em Bali conheci a Vana… e tudo mudou.”

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