Associações alertam Presidente: “Não podemos ter tribunais a mandar mensagens contraditórias”

Associações de combate à violência contra mulheres reuniram-se com o Presidente da República, que deverá fazer uma declaração pública sobre o tema. Em foco esteve a actuação do sistema judicial na protecção às vítimas, a articulação entre entidades e a responsabilização do Estado.

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Presidente da República deverá fazer uma declaração pública sobre o tema TIAGO PETINGA/LUSA

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, reuniu-se nesta sexta-feira com seis associações de luta contra a violência doméstica, no Palácio de Belém, em Lisboa. Em foco esteve a actuação do sistema judicial na protecção às vítimas, a coordenação de esforços entre os vários ministérios nesta área, muitas vezes insuficiente, e os factores que estão na origem do fenómeno, que as associações unanimemente consideram que deve ser considerado uma forma de violência de género que afecta as mulheres de forma particular.

O chefe de Estado deverá fazer uma declaração pública sobre o tema, uma iniciativa que as organizações consideram "um sinal importante que o Presidente da República dá à sociedade", como referiu o presidente da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) à saída da reunião.

Para João Lázaro, uma das grandes áreas a melhorar é o peso da burocracia na aplicação de medidas de protecção, que muitas vezes impede a prontidão necessária para actuar nas situações de violência doméstica, frequentemente urgentes. Em declarações ao PÚBLICO, reconhece que "todos os dias, os profissionais das forças de segurança e judiciais apoiam e salvam muitas vítimas", mas a situação das últimas semanas, em que pelo menos nove mulheres foram assassinadas em contexto doméstico, "é claramente um teste à eficácia do sistema em situações-limite".

Além da APAV, estiveram presentes representantes da Associação de Mulheres Contra a Violência (AMCV), da Associação Portuguesa de Mulheres Juristas (APMJ), da Associação Contra o Femicídio, do Observatório Nacional de Violência de Género e da União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR). O encontro, que começou ao início da tarde, terminou cerca das 16h.

À saída da reunião, Maria José Magalhães, presidente da UMAR, teceu duras críticas ao sistema judicial na resposta à violência doméstica, pedindo a responsabilização de profissionais "que não cumprem a lei". A também investigadora sublinhou os grandes progressos no combate à violência doméstica nas últimas duas décadas, mas disse que ainda "não chega": o "trabalho excelente" de apoio às vítimas, que recai muitas vezes em organizações da sociedade civil, tem de ser acompanhado com "um trabalho também de parar os agressores, de responsabilizar os profissionais".

"A presunção de inocência do agressor, que é um garante do Estado direito e bem, não pode sobrepor-se à segurança dos cidadãos que são vítimas", sublinha em declarações ao PÚBLICO.

Um dos alertas deixados ao Presidente da República é que “não podemos ter tribunais, nomeadamente criminais e os de família, a mandar mensagens contraditórias”, relata Maria José Magalhães, que aponta o dedo às decisões dos juízos de menores que não valorizam os casos de violência doméstica e continuam a não regular de forma adequada as responsabilidades parentais, expondo, considera, as crianças a agressores.

De acordo com a dirigente da UMAR, outra das questões abordadas na reunião com o Presidente da República terá sido ainda "o facto de alguns ministérios e alguns ramos do Estado estarem muitas vezes a actuar no sentido oposto ao de outros ramos do Estado". Algumas organizações sublinharam na reunião que o Estado português não cumpre integralmente os seus compromissos em matérias relacionadas com Direitos Humanos, não apenas na protecção e combate à violência contra mulheres, mas também contra crianças e pessoas idosas.

Votos de pesar no Parlamento

Nesta sexta-feira, o Parlamento aprovou por unanimidade um conjunto de votos de condenação e pesar pelas vítimas da violência doméstica apresentados pelos deputados da subcomissão para a igualdade e não discriminação, pelo CDS, PSD e Bloco de Esquerda.

"Não obstante o edifício legislativo existente" em Portugal, "a verdade é que a espiral de violência persiste e continuam a morrer mulheres vítimas desse crime avassalador, que assume sempre contornos de especial perversidade e violência, atingindo toda a esfera familiar e as crianças em particular", lê-se no voto apresentado pelos deputados da subcomissão parlamentar para a igualdade e não discriminação.

"Urge dar cumprimento às recomendações da equipa da Análise Retrospectiva do Homicídio em Violência Doméstica e do GREVIO e estabelecer como objectivo o reforço da eficácia do sistema judicial, a necessidade imperiosa de coordenação e acompanhamento de todas as estratégias transversais de combate à violência de género, enfatizando as acções de formação, sensibilização, prevenção e aprofundamento do conhecimento, assim como a devida articulação entre as várias entidades que intervêm nesta matéria - as forças de segurança, o sistema judicial, a saúde e os mecanismos de protecção social", defendem os deputados.

Já o Pessoas-Animais-Natureza (PAN) apresentou um projecto de lei para que os tribunais de Família e Menores sejam imediatamente informados quando exista uma acusação de violência doméstica em casos onde existam crianças na família. O PAN defende que sempre que haja despacho de acusação por este crime, o Tribunal de Família e Menores seja "imediatamente informado", já que "a probabilidade das crianças e jovens serem também elas vítimas é muito grande", explica o partido em comunicado. Actualmente, a lei prevê que isto aconteça apenas nos casos em que seja aplicada medida de coacção ou sanção acessória de impedimento de contactar com o outro progenitor.

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