Geocachers portugueses preferem paisagens abertas, com água e montados

Estudo que usou o geocaching como ferramenta para avaliar o valor cultural de alguma paisagens portuguesas identificou quais os ecossistemas do país preferidos pelos "caçadores de tesouros".

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Alguns geocachers num evento que juntou 800 participantes na cidade de Aveiro em 2015 diogo baptista
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Geocachers depois de encontrarem a cache um tritão-marmoreado-pigmeu Inês Teixeira do Rosário

Os praticantes de geocaching, a caça ao tesouro dos tempos modernos onde o objectivo é encontrar geocaches através de coordenadas GPS, preferem as paisagens portuguesas abertas e com água e, entre as paisagens de floresta, o montado. Estas são algumas das conclusões de um estudo científico que utiliza pela primeira vez o geocaching como um indicador para avaliar a qualidade cultural dos ecossistemas portugueses e que foi publicado esta terça-feira na revista científica Ecological Indicators.

Desde Setembro de 2000, o ano da criação do website oficial do geocaching por Mike Teaguet, que mais de seis milhões de geocachers ("caçadores de tesouros") usam coordenadas de localização GPS para chegarem ao tesouro escondido dentro de uma cache (caixa de plástico) que se pode encontrar no campo, na praia ou mesmo na cidade. A modalidade tem conquistado apaixonados pelo ar livre e os amantes de aventura pelo mundo inteiro. Em Portugal, estima-se que a comunidade chegue aos 51 mil.

Escondidos em parques públicos, monumentos, cidades, montanhas, os tesouros estão por todo o lado e são normalmente pequenos recipientes (até mesmo tupperwares) ou objectos (botas, a búzios de plástico, caracóis inanimados ou parafusos falsos).

Para participar e ser um geocacher, o primeiro passo é fazer o registo no site oficial para ter acesso às coordenadas das geocaches. Depois, é só descarregá-las para um GPS e partir à aventura. Agora, pela primeira vez, uma equipa de investigadores portugueses aliou a modalidade que conquista cada vez mais fanáticos aos ecossistemas portugueses e determinou a preferência por diferentes paisagens utilizando a base de dados do geocaching.

O estudo — uma colaboração entre investigadores do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais (cE3c) da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, da empresa de consultoria ambiental Bioinsight, do Centro de Estudos Florestais (do Instituto Superior de Agronomia da Universidade de Lisboa) e do Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais (da Universidade Nova de Lisboa) — torna-se pertinente pela forma como os ecossistemas contribuem para a qualidade de vida dos seres humanos.

Para além de recursos e serviços palpáveis — como alimentos, água e materiais, entre outros —, o artigo afirma que a interacção do ser humano com a natureza também traz benefícios não materiais importantes. "A recreação e o enriquecimento cultural espiritual e estético – os chamados serviços culturais prestados pelos ecossistemas – levam-nos a estabelecer fortes laços emocionais com a paisagem. Esta importância cultural dos ecossistemas é difícil de avaliar e, por isso, pouco estudada, mas é um aspecto fundamental do ponto de vista da conservação", lê-se no estudo.

“Os resultados indicam que não existe preferência por nenhum tipo de paisagem quando os geocachers planeiam a sua visita — a sua principal motivação é a aventura de procurar e o entusiasmo de encontrar, destacando-se ainda o respeito pela natureza. No entanto, uma vez no local, verificamos que os geocachers preferem paisagens abertas ou com água, seguidas de paisagens com floresta”, explica Inês Teixeira do Rosário, investigadora de pós-doutoramento no cE3c na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e a primeira autora do estudo.

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Montado em Barrancos, Alentejo Nelson Garrido

Entre as paisagens com floresta preferidas pelos participantes destaca-se o montado, paisagem de grande valor económico e socioecológico para Portugal e uma das imagens de marca do Alentejo. No entanto, esta paisagem pode ser afectada pelas alterações climáticas, uma vez que é o ecossistema que domina nas zonas semiáridas, onde a água disponível para as plantas já é limitada, o que torna estas áreas vulneráveis à desertificação.

"Considerando as dificuldades que este ecossistema enfrenta, como a mortalidade das árvores, é também importante perceber que existem outras actividades compatíveis com as existentes que poderão ajudar os gestores na sua conservação", explica Inês Teixeira do Rosário.

Mais de 40 mil caches em Portugal

Para a escolha desta modalidade para o artigo científico também contribuiu o facto de a base de dados reunir não só fotografias, mas também textos e classificações atribuídas pelos caçadores de tesouros. Através de dados recolhidos no fórum português de geocaching, os investigadores verificaram em que tipos de paisagem se encontravam as mais de 35.000 caches activas em Portugal continental à data da conclusão do estudo, em finais de 2016. Actualmente, dizem os investigadores, este número ascende a cerca de 40.500, valor que não contempla as caches encontradas mais de 50 vezes.

Segundo o site oficial da modalidade, há 2.684.108 "tesouros" activos em todo o mundo. No dia de lançamento da página, existiam apenas 75. 

O conjunto completo de dados deste estudo integrou 50.818 geocaches (contempla todas as caches em Portugal continental), com 37% localizadas em paisagens artificiais, seguidas pelas florestas (19%), agricultura (17%), matagais (12%) e áreas abertas (8%). 

Encontrada a cache, os jogadores podem apenas registar a sua actividade no site oficial, mas são encorajados a escrever e a atribuir uma pontuação à experiência de busca pelo tesouro. O objectivo é que através da partilha do que acabaram de viver possa ser construído uma comunidade em torno da actividade recreativa. Os membros premium podem classificar algumas caches como favoritas, incentivando outros caçadores a encontrá-las a seguir.

Com base nesse acto, os investigadores calcularam a frequência de visitas às caches, verificaram a quantidade de fotografias existentes e analisaram os votos e a extensão dos textos publicados pelos jogadores depois de encontrarem as caches, em função do tipo de paisagem. Feitas as contas, concluíram que existe uma preferência por paisagens abertas e com água e, no caso das florestas, pelo montado.

“Estes resultados indicam que vários tipos de paisagens, incluindo o montado, têm importância para quem gosta de actividades ao ar livre, e que estas actividades devem ser tidas em conta no ordenamento do território e na gestão das propriedades”, conclui Inês Teixeira do Rosário.

Antes de partir à descoberta, os geocachers têm de saber as informações básicas, decorar os mandamentos e aconselhar-se com outros praticantes. Para participar em comunidade é fácil: há iniciativas anuais por todo o país e algumas de maior dimensão podem ter a duração de um ou mais dias e contar com 500 participantes. Chamam-se Mega Eventos. Em 2010, para celebrar os dez anos da criação do geocaching, a Team GeocacherZone, equipa que se dedica a planificar estas actividades organizou o primeiro evento desta dimensão e teve direito ao ícone oficial de Mega Evento na página internacional da modalidade.

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