Vítor Gaspar travou taxa sobre o sector eléctrico, diz Santos Pereira

O antigo ministro da Economia de Passos Coelho reclamou a autoria de cortes de 2100 milhões de euros nos ganhos dos produtores de electricidade e diz que o seu ex-colega das Finanças travou uma contribuição sobre o sector para não prejudicar a privatização da EDP. Na comissão parlamentar, Santos Pereira defendeu que as rendas excessivas estão ligadas a compadrio entre Estado e privados

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Álvaro Santos Pereira foi substituído no Ministério da Economia por António Pires de Lima LUSA/MANUEL DE ALMEIDA

O antigo ministro da Economia Álvaro Santos Pereira afirmou esta quinta-feira no parlamento que Vítor Gaspar travou a criação de uma contribuição sobre o sector eléctrico para não prejudicar a privatização da EDP que estava a ser preparada.

"Infelizmente o ministro das Finanças não concordou [com a contribuição] para não pôr em causa a privatização e os cortes deviam ser feitos de outra maneira, desde que não afectassem o processo de privatização da empresa [EDP]. Dada a situação de iminência da bancarrota, a contribuição ficava pelo caminho", afirmou o antigo governante, que está a ser ouvido na comissão parlamentar de inquérito ao pagamento de rendas excessivas aos produtores de electricidade.

Álvaro Santos Pereira explicou aos deputados que entendia que a criação de uma contribuição sobre os produtores de electricidade "seria um sinal de credibilidade para os parceiros internacionais", numa altura em que "quase todos os dias" surgiam "questões de iminente bancarrota do país".

Explicou que, apesar do 'chumbo' de Vítor Gaspar para não prejudicar a privatização da EDP, não desistiu de cortar nas rendas no sector, tendo chegado a um conjunto de medidas que, nas suas contas, cortaram 2100 milhões de euros à remuneração dos produtores.

Em 23 de Janeiro, em audição na comissão parlamentar, o então secretário de Estado da Energia Henrique Gomes admitiu que a decisão de Vítor Gaspar o levou a pedir a demissão logo em Outubro de 2011, tendo depois acabado por ficar até Março do ano seguinte.

Na altura, defendeu que a melhor maneira de fazer uma privatização da EDP tinha sido com "a casa limpa", o que nunca aconteceu, permanecendo excessos de rentabilidade dos produtores de electricidade.

Hoje, Álvaro Santos Pereira recordou que, logo na primeira semana à frente do Ministério da Economia, ainda não tinha secretário de Estado nem assessores, falou com a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) que alertou que o preço da electricidade iria aumentar mais de 30% para as famílias e 55% para as empresas.

"Se antes ninguém tinha ousado tirar um cêntimo sequer aos produtores de energia, nós cortámos 2100 milhões de euros que era praticamente o valor que seria arrecadado com a contribuição até 2020", acrescentou.

Álvaro Santos Pereira elencou os cortes introduzidos enquanto esteve no Governo de Passos Coelho: 996 milhões de euros na cogeração, 443 milhões de euros na garantia de potência, 205 milhões de euros nos Contratos de Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC), 385 milhões de euros nas mini hídricas e 106 milhões de euros com a revisão da remuneração do domínio público hídrico.

Ainda assim, este corte "não se revelou suficiente, porque um ano ficou-se a saber que tinha havido uma deterioração do défice tarifário".

"Quando saí estávamos a finalizar novos cortes que podiam chegar aos 1500 milhões de euros. Na minha carta de cessação de funções, que enviei ao primeiro-ministro, referi a necessidade imperiosa de realizar cortes adicionais", acrescentou.

Rendas estão ligadas a compadrio entre Estado e privados

Aos deputados, o antigo ministro da Economia defendeu que "as rendas excessivas no sector da energia estão, no mínimo, intimamente ligadas a acções de compadrio entre o Estado e os privados".

Na intervenção inicial na comissão parlamentar de inquérito ao pagamento de rendas excessivas aos produtores de electricidade, o antigo governante afirmou que "as rendas excessivas no sector da energia estão, no mínimo, intimamente ligadas a acções de compadrio entre o Estado e os privados, ligações perigosas entre o Estado e os interesses privados, em que uns beneficiaram de lucros milionários, enquanto a factura era paga pelas famílias".

"Existe bastante evidência que se Portugal chegou onde chegou - não só na energia, mas noutros sectores - a uma situação de pré-bancarrota ou mesmo bancarrota, foi não só por políticas irresponsáveis, mas também porque houve práticas de corrupção e compadrio entre o privado e o Estado", respondeu Álvaro Santos Pereira.

Instado a identificar as situações de compadrio existentes, na segunda ronda de perguntas, o ex-ministro disse preferir "não comentar".

"Para mim é evidente que existiam casos de compadrio nesta e em outras áreas. Acho que este tipo de coisas deve ser feito na Justiça. Se sei de um caso, eu denuncio. Não vou fazê-lo no parlamento e, nestas e em outras áreas, passámos a informação", disse, perante a insistência do deputado do BE Jorge

Diferenças tácticas com Henrique Gomes

O antigo ministro afirmou também que "a única divergência que existia" com o seu secretário de Estado da Energia, Henrique Gomes, que se demitiu ao fim de nove meses no Governo, "era táctica".

"A única divergência que tivemos os dois era táctica", afirmou o antigo ministro, quando questionado pelo deputado comunista Bruno Dias, depois de, na sua intervenção inicial, ter elogiado a independência do seu secretário de Estado.

Em Janeiro, Henrique Gomes, que foi a primeira baixa do Governo de Passos Coelho, revelou que, quando estava no cargo, foi "proibido de falar em rendas excessivas" na electricidade nas suas intervenções públicas pelo então ministro da Economia.

Hoje Álvaro Santos Pereira admitiu que "a táctica dos dois" era diferente: "Quando se fazem negociações, quando se tenta fazer reformas, não adianta vir gritar para as câmaras dizer que se vai reformar. A minha única divergência com o Henrique [Gomes] era se devíamos falar antes ou depois. Eu defendia que era para falar só depois", acrescentou.

"A opinião pública tinha de saber quais eram os excessos e cada vez que eu falava nas rendas excessivas, o ministro [Álvaro Santos Pereira] ficava muito atrapalhado e dizia 'Henrique, já lhe disse várias vezes. Você não pode falar em rendas excessivas, está proibido de falar de rendas excessivas'", relatou Henrique Gomes em 23 de Janeiro.

Se "não podia falar", continuou Henrique Gomes, ia embora do Governo, tendo então pedido a demissão e saída do executivo em Março de 2012, admitindo que este episódio foi "a gota de água".

No entanto, esta não tinha sido a primeira vez que Henrique Gomes tinha colocado um pedido de demissão em cima da mesa, tendo manifestado intenção de sair do Governo em Outubro de 2011, quando viu ser chumbada a proposta de criação de uma contribuição sobre os produtores de electricidade.

Álvaro Santos Pereira reconhece que Henrique Gomes "ficou muito melindrado e pediu logo a demissão", adiantando que pediu "para ele esperar um pouco" até porque se os cortes não podiam ser feitos de uma forma - através da criação dessa contribuição - "seriam feitos de outra". "Disse-lhe para ter calma, que não era o momento para sair", relatou.

De acordo com o antigo ministro da Economia, que actualmente está na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), Henrique Gomes estava "irredutível" e aceitou ficar depois de falar com o primeiro-ministro, Passos Coelho.

"Se não podíamos usar a arma da contribuição, cerrámos mais uma vez as fileiras e começámos a preparar o discurso para a guerra que se preparava", adiantando que na negociação disse aos produtores que "se não concordassem com o modelo, a troika poderia ser ainda mais dura".

"Decidimos que íamos eliminar a garantia de potência para as centrais térmicas que não agradou, com alguns produtores a retaliarem publicamente, mas nós não cedemos", acrescentou.

Henrique Gomes ficaria mais quatro meses, tendo depois sido substituído por Artur Trindade, que foi ouvido na comissão de inquérito na semana passada.

"Pedi a sua opinião sobre alguns dos nomes para o substituir. Foi ele que me referenciou o nome do Artur Trindade e, quando o entrevistei e quando vi que partilhava a minha opinião sobre o que era preciso fazer, percebi que não havia dúvidas. Todas as pessoas da equipa de Henrique Gomes ficaram", referiu.

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