Portugal importa cada vez mais carros usados

Em 2018, foram comprados 77 mil veículos lá fora, agravando o envelhecimento. O país poderia poupar 230 milhões por ano, se em vez disso substituísse 330 mil carros velhos por novos.

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Diogo Baptista

Portugal tem um dos parques automóveis mais envelhecidos da Europa ocidental e, ao contrário do que sucede por exemplo em Espanha, há anos que não tem uma política pública de incentivo à renovação de viaturas envelhecidas. A última vez que isso aconteceu, 49 mil carros velhos foram trocados por novos em apenas dois meses. Mas isso foi há uma década, e, durante este período, a idade média do parque automóvel português não tem parado de envelhecer.

Um dos contributos para esse envelhecimento vem da importação de carros usados, que em 2018, atingiu um novo recorde: os portugueses compraram mais de 77 mil veículos em segunda mão ao exterior, com uma idade média entre os cinco e os seis anos. Entre 2017 e 2018, o número de matrículas de carros importados registou um crescimento de 17%, "acima da taxa de crescimento dos automóveis matriculados novos pelas marcas (mais 3%)", salienta ainda a ACAP. 

Pondo as coisas em perspectiva, estes 77 mil carros importados equivalem a um terço dos 228 mil carros novos comercializados no mercado nacional.

“É um dado que nos preocupa muito e que deveria preocupar o Governo”, diz o presidente do Conselho Estratégico da ACAP – Associação Automóvel de Portugal, José Ramos. A ACAP apresentou nesta quinta-feira os dados finais do sector para 2018 e as projecções para 2019, um ano que deverá ser marcado pela “estabilidade” em termos de vendas.

Porém, um dos temas que mais preocupam a ACAP tem a ver com a renovação da frota nacional. E a ausência de um programa de incentivo, resultado de uma “visão imediatista” e “sem estratégia” que os sucessivos governos – incluindo o actual – têm do sector automóvel, que contribui segundo a ACAP com 19,5% da receita fiscal anual.

Os dados são conhecidos, os cálculos estão feitos, mas ao contrário do vizinho ibérico, que disponibilizou dezenas de milhões de incentivos ao abate de viaturas velhas, Portugal limita-se a seguir uma tendência que já vem de trás.

Pelas contas da ACAP, há 700 mil veículos nas estradas portuguesas com mais de 20 anos – o que tem impacto ambiental e também na segurança rodoviária. Seria necessário abater 330 mil carros a cada 12 meses para que o actual parque nacional - composto por 6,28 milhões de viaturas (cinco milhões de ligeiros de passageiros, 1,12 milhões de comerciais ligeiros e 146 mil pesados) - baixasse um ano na idade média, que actualmente se cifra em 12,6 anos (10,7 na UE).

E, se o país fizesse isso, pouparia 164 milhões de litros em combustível por ano, e 230 milhões de euros por ano, dada a maior eficiência das novas motorizações.

Para a ACAP, o país precisa de uma política de incentivos à renovação. Mas, segundo Hélder Pedro, secretário-geral da organização, o actual Governo rejeitou as propostas feitas nesse sentido.

O cenário agrava-se quando se tem em conta que é nos veículos pesados, tanto de mercadorias como de passageiros, que o envelhecimento é maior (idade média de 14,6 e 14,8 anos), sendo que estes são também os veículos mais poluentes. A solução, diz Hélder Pedro, proposta ao Executivo mas rejeitada, seria um plano de incentivo sem peso no Orçamento do Estado, financiando os apoios ao abate através do Fundo Ambiental.

“É um modelo em tudo semelhante ao que foi aplicado em Espanha: um programa de incentivo ao abate de carros com mais de 13 anos, com dinheiro do Fundo Ambiental. Quando acabasse a parcela de dinheiro posta à disposição deste programa, acabavam-se os incentivos”, descreveu Hélder Pedro, na conferência desta quinta-feira.

“Infelizmente, isto tem sido rejeitado”, lamentou ainda, salientando que o constante envelhecimento do parque nacional tem impacto negativo no ambiente e desconsidera o efeito positivo que a substituição de carros velhos por novos teria em termos de receitas fiscais, por via da cobrança de impostos como o ISV e o IVA.

Actualmente, metade dos carros em circulação no país são a gasolina, 49% têm motor diesel e apenas 1% funcionam com combustíveis alternativos. Apesar de a venda de eléctricos ter estado a crescer muito, são uma ínfima parte do parque nacional, importando-se todos os anos mais carros em segunda mão do estrangeiro do que se compra carros híbridos plug-in ou 100% eléctricos novos.

Ainda que globalmente a frota portuguesa seja hoje menos poluente – as emissões médias de CO2 passaram de 128 gramas por quilómetro em 2010 para 105 gramas para 105 gr/km – Portugal compra a países como a Alemanha milhares de carros que nalgumas cidades desses países estão ou vão ser proibidos de circular, para limitar os efeitos nocivos das emissões.

“Nos países dominantes há cidades que não permitem a circulação de certas viaturas diesel. Esses carros têm de ir para algum lado, porque não vão para abate, e muitos deles têm ido para onde? Para Portugal, o que tem consequências no ambiente, na segurança rodoviária e na desvalorização de todo o mercado. Na realidade, afecta tudo em cadeia, incluindo por exemplo os valores residuais dos leasings”, observa José Ramos.

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