Governo alemão altera lei de aborto do tempo dos nazis

Compromisso na coligação para alterar a cláusula que proibia “publicidade”, quando muitos pediam a total abolição deste artigo do código penal.

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Protesto pela alteração da lei HAYOUNG JEON/EPA

O Governo alemão aprovou nesta quarta-feira a alteração a um artigo da lei do aborto do tempo dos nazis que proibia médicos e profissionais de saúde de sequer divulgar que faziam interrupções voluntárias da gravidez, depois de um compromisso entre os partidos da “grande coligação”, a União Democrata-Cristã (CDU) e o Partido Social-Democrata (SPD).

O aborto é sujeito a um estatuto particular na Alemanha: é considerado crime, excepto em casos de violação, perigo para a saúde da mãe ou criança. Mas as interrupções feitas até às 12 semanas não são alvo de acção judicial, se a mulher receber aconselhamento e esperar três dias até fazer o procedimento.

Até esta alteração no Artigo 219a da lei (que tem ainda de ser aprovada pelo Parlamento), outra idiossincrasia era a de que os médicos podiam fazer interrupções voluntárias da gravidez (IVG), mas não anunciar que as faziam. Isso era considerado publicidade e proibido por esta lei.

A emenda agora feita muda isso: dá a possibilidade a médicos e clínicas de informar que realizam IVG, mas não permite que seja dada qualquer informação adicional – isso é considerado “publicidade”, o que é proibido.

O assunto era sensível dentro da “grande coligação”, uma espécie de bloco central entre os conservadores cristãos da CDU e CSU e os sociais-democratas do SPD: os primeiros não queriam alterar o artigo, os segundos queriam simplesmente aboli-lo.

A questão surgiu em força no debate público no início do ano passado, depois de uma acusação a uma médica que informava no seu site que fazia IVG. Foi condenada a uma multa de seis mil euros. 

No tempo do nazismo, o Artigo 219a visava alguns médicos judeus. O regime mais tarde desencorajou abortos de mulheres arianas, excepto em casos de risco de deficiência do bebé e encorajou as interrupções de gravidez de mulheres não arianas.

Após a II Guerra, a Alemanha do Leste era mais liberal em relação ao aborto do que a ocidental, e depois da reunificação foi difícil chegar a um consenso.

A actual legislação é fruto de uma sugestão do Tribunal Constitucional, que recusou a liberalização da IVG no primeiro trimestre, mas sugeriu que as interrupções nesse período de tempo e cumprindo certas condições não fossem punidas.

Acesso ainda difícil

Apesar disto, o acesso a interrupções voluntárias da gravidez continua a ser difícil para muitas mulheres na Alemanha, quer porque muitos hospitais são geridos ou apoiados por organizações religiosas e não dão esta opção, quer porque com o sistema de seguros de saúde em vigor muitas vezes este procedimento não é pago. 

Médicos e grupos de defesa dos direitos das mulheres criticaram a alteração, porque as mulheres só poderão obter informação sobre o procedimento através das autoridades, centros de aconselhamento e associações médicas e não do seu próprio médico.

Haverá, no entanto, uma lista disponível no site da Associação de Médicos da Alemanha com os médicos que levam a cabo IVG, assim como as diferentes opções e métodos usados.

O Partido Social Democrata está dividido sobre a questão. A ministra da Justiça, Katarina Barley, diz que foi um bom compromisso e que com a CDU não era possível ir mais longe.

Por outro lado, a deputada Hilde Mattheis, do SPD, criticou a proposta e está a propor uma votação nominal no Parlamento como meio de pressão para os deputados. “A política torna-se transparente em votações nominais”, disse ao jornal Neue Passauer Presse. “A política deve-se basear na maioria, e a maioria são mulheres.”

O SPD continua uma trajectória descendente nas sondagens: os Verdes estão a conquistar o segundo lugar nas preferências dos inquiridos, deixando o SPD com valores à volta dos 14% e os Verdes a aproximar-se dos 20%.

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