Especialistas que não sabem há muitos

A eletricidade renovável é a única que pode garantir um preço mais baixo e previsível a prazo. Continuemos, pois, a apostar no futuro, apostando na eletricidade renovável.

Há pessoas que gostam que lhes chamem especialistas, e também as há que se autointitulam especialistas. Ora, um especialista é um perito e como perito numa determinada área do conhecimento, neste caso a energia elétrica, consegue esse título depois de provas dadas, em especial depois de realizar variadas atividades relacionadas com a implementação e realização de projetos nas suas mais variadas fases e aspetos. Não se recebe um título de especialista porque se quer ou apetece, ou ainda porque fica bem...

Um especialista, ou perito, tem acima de tudo o dever de ser sério e apresentar factos verdadeiros e não distorcidos ou meias verdades.

No setor da energia elétrica, uma das questões mais difíceis de entender é como funciona o mercado grossista, especialmente no que toca à diferença entre o preço grossista e o que se paga na fatura da eletricidade e à definição de prioridade de despacho.

Não sendo eu um especialista (apenas trabalho no setor há cerca de 35 anos, tendo posto de pé algumas centenas de “megawatts” em centrais renováveis de diversas tecnologias), a explicação pode ser difícil, mas não quis deixar de tentar explicar numa linguagem simples. Só depois de ler este texto o leitor poderá dizer se eu alcancei o objetivo a que me propus.

O mercado grossista, tal como funciona hoje em dia, surgiu em todo o Mundo há mais de 45 anos, muito antes da eletricidade renovável ser de origem eólica ou solar. A produção dominante da altura era de origem hídrica, a carvão, ou nuclear, e as centrais a gás natural começavam a aparecer.

Este mercado é baseado no princípio dos preços marginais de produção de eletricidade, ou seja, no preço dos combustíveis. Isto é, considera-se que cada central está a funcionar em pleno, que todos os custos de funcionamento (investimento, operação, manutenção, financiamento, taxas, impostos e combustível) estão pagos e que o custo marginal dessa central é o custo do combustível para produzir 1 MWh adicional, ou seja, o custo marginal do combustível.

Para que o leitor tenha uma ideia, hoje em dia o custo marginal duma central a carvão oscila entre os 40 e os 50 €/MWh, o de uma central a gás natural entre 65 e 80 €/MWh e o de uma central renovável hídrica, eólica ou solar é 0€/MWh, pois não se paga nada pela água, pelo vento ou pelo Sol.

O mercado, também chamado mercado spot, funciona numa base diária em que os produtores de eletricidade fazem as suas ofertas e os comercializadores colocam as suas ordens de compra. Estas ofertas são feitas até às 10 horas da manhã de um dia para cada uma das 24 horas do dia seguinte, e cada produtor indica, para cada central e para cada hora, dois valores: a quantidade de eletricidade que prevê produzir em cada hora e o custo do combustível dessa mesma central.

O operador do mercado, no caso português a REN, ordena as ofertas por ordem crescente, pois sendo a eletricidade uma commodity de qualidade igual seja qual for o tipo de geração, é escolhida pelo consumidor por ordem crescente de custo. Isto é a chamada ordem de mérito: entram primeiro as centrais de mais baixo custo marginal, isto, é as centrais renováveis, e só depois é que entram as outras. Quer isto dizer, por exemplo, que as centrais eólicas entram primeiro que as centrais a carvão ou a gás natural, não porque o Governo “é amigo” das eólicas ou porque o lobby das eólicas isso conseguiu. Entram primeiro porque esse é o modo de funcionamento do mercado, que surgiu muito antes de existirem centrais eólicas ou solares.

As centrais térmicas, mais caras que as renováveis, funcionam no “pára-arranca" [1], e sempre assim funcionaram, muito antes de haver centrais eólicas ou solares. Nada mudou com o aparecimento das centrais renováveis eólicas e solares, e quem não perceber isto não é de certeza especialista de energia.

As únicas centrais PRE (Produção em Regime Especial) que não seguem esta regra e têm prioridade de despacho são as centrais a biomassa (em que por exemplo a biomassa residual florestal tem um custo da ordem de 60€/MWh) e as centrais de cogeração fóssil (com um custo do gás natural acima de 70€/MWh). Estas, sim, têm prioridade de despacho. Dada a especificidade destas centrais, devo referir que concordo que lhes seja dada esta prioridade.

No que respeita à diferença entre o custo do mercado spot e o que pagamos na nossa fatura mensal, esta é fácil de explicar, pois é a mesma diferença que existe entre o custo do barril de petróleo e o que se paga na bomba da gasolina. Ao custo do petróleo há que acrescentar, entre outros, os custos da refinação, transporte, comercialização e sobretudo dos impostos, que são mais de 60% do que se paga por litro de gasolina. Na eletricidade lá de casa, além da produção também temos de pagar o transporte, a distribuição, os serviços de sistema, a comercialização e, claro, os impostos e outras medidas de carácter político, que representam mais de 50% da fatura.

Espero ter clarificado algumas das questões que outros andam por aí maldosamente a inventar para denegrir as renováveis. A eletricidade renovável é a única que pode garantir um preço mais baixo e previsível a prazo. Não temos de exportar divisas para comprar os combustíveis pois usamos recursos que são nossos, e, acima de tudo, é a única que não emite gases com efeito de estufa, o que permite descarbonizar a nossa Economia.

Continuemos, pois, a apostar no futuro, apostando na eletricidade renovável.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

[1] O “pára-arranca” duma central elétrica corresponde à saída e entrada de produção consoante a necessidade de satisfazer o consumo e ser essa central que, na ordem de custo marginal, é a central escalada para sair ou entrar.

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