Observatório: cinco comissários europeus privilegiam lobistas dos seus países

Corporate Europe Observatory acusa cinco membros da Comissão Juncker de darem atenção especial ao lobby empresarial dos seus países. Na mira incluiu-se a comissária da Concorrência.

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Vestager tornou-se conhecida pelos processos contra gigantes tecnológicos, incluindo uma multa de 4340 milhões ao Google Reuters/FRANCOIS LENOIR

A Corporate Europe Observatory (CEO), uma organização que tem denunciado os efeitos do lobbying das empresas junto das instituições europeias, aponta o dedo a alguns comissários europeus por privilegiarem os canais de lobby empresariais dos seus próprios países. Na mira estão cinco responsáveis políticos da Comissão Juncker, incluindo a dinamarquesa Margrethe Vestager, responsável pela poderosa pasta da Concorrência.

Num relatório com o título Estados capturados: quando os governos da UE são uma extensão dos interesses das empresas (tradução livre), o observatório sediado em Bruxelas chama a atenção para a influência dos interesses empresariais na tomada de decisão europeia e, em relação ao executivo comunitário, concluiu que cinco comissários da equipa de Jean-Claude Juncker (um deles já ex-comissário) realizaram “um número desproporcionalmente elevado de reuniões com lobbies empresariais dos seus próprios países”.

Além de Vestager, o observatório destaca pela negativa o espanhol Miguel Arias Cañete (comissário com a pasta da Energia), o irlandês Phil Hogan (Agricultura), o alemão Günther Oettinger (Orçamento e Recursos Humanos) e o britânico Jonathan Hill (que ocupou o cargo de comissário dos Serviços Financeiros até Julho de 2016, quando se retirou na sequência do referendo ao “Brexit”). Não há qualquer referência ao português Carlos Moedas, que na Comissão Juncker tem na sua alçada a investigação, ciência e inovação.

“Para alguns grupos de pressão empresarial nacionais”, lê-se no documento, “o respectivo comissário nacional é mais um potencial canal de influenciar a União Europeia numa tomada de decisão”. Embora afirme que alguns comissários parecem favorecer os “interesses empresariais dos seus próprios Estados-membros” no que toca ao número das reuniões realizadas, o estudo não concretiza casos em que isso se tenha traduzido numa posição particular de favor. Mas o alerta é claro e mais vasto: segundo o CEO, a influência dos interesses empresariais na tomada de decisão europeia acontece não só na Comissão Europeia, mas na União Europeia no seu todo. É o que leva o observatório a afirmar que existe um “défice democrático” por haver “demasiados Estados-membros, em relação a demasiadas matérias, que se tornam Estados capturados”.

No caso da comissária da Concorrência, o observatório afirma que em 41 encontros realizados com lobistas empresariais, 59% aconteceram com dinamarqueses, incluindo a Confederação da Indústria (nove encontros), a Câmara do Comércio Dinamarquesa (três encontros) e a Confederação Patronal Dinamarquesa (três encontros). Nada é dito, porém, sobre o teor das decisões de Margrethe Vestager, que se tornou conhecida nos últimos anos por pilotar processos onde são visadas as gigantes tecnológicas Apple e Google (incluindo uma multa recorde de 4340 milhões de euros a esta última multinacional).

Sobre o espanhol Cañete, que lidera a pasta da Energia, o observatório que tem a sigla CEO enfatiza a ligação do ex-ministro do PP a empresas com interesses na indústria petrolífera (Ducar e Petrologis) e chama a atenção para o número de reuniões que teve entre Dezembro de 2014 e Outubro de 2018 com as multinacionais espanholas Iberdrola e Naturgy (nove e 11 vezes, respectivamente). Em 264 encontros contabilizados com lobistas empresariais, os espanhóis foram os interlocutores em 37% dos casos (cerca de 100), incluindo-se no leque a operadora de telecomunicações Telefonica e o banco Santander, o segundo maior grupo bancário europeu.

Quanto ao ex-comissário britânico Jonathan Hill, contabilizou 151 reuniões com representantes de interesses empresariais entre Dezembro de 2014 e Julho de 2016, das quais perto de um terço (47) tinham do outro lado da mesa representantes de entidades sediadas no Reino Unido. E destaca os encontros do anterior responsável dos serviços financeiros com a London Stock Exchange Group, a Investment Association e os bancos o Barclays e HSBC.

Representação portuguesa negou informação

Em relação a Portugal, o observatório procurou fazer o mesmo tipo de análise relativamente à Representação Permanente de Portugal junto da União Europeia (REPER) – como a fez em relação às representações dos outros Estados-membros –, mas não conseguiu que o Ministério dos Negócios Estrangeiros português aceitasse fornecer a informação.

Em Abril de 2018, um elemento da organização CEO pediu informações à REPER sobre o número de reuniões de membros desta “antena” portuguesa em Bruxelas com com representantes de empresas, organizações e outros representantes de interesses externos nos 12 meses anteriores, assim como a lista das reuniões, organizações e os respectivos participantes, a data das reuniões e o tópico discutido.

Para isso, foi invocada a lei portuguesa que regula o acesso à informação administrativa, mas quando a REPER respondeu, no final de Junho desse ano, não permitiu o acesso àqueles dados, considerando que os documentos, por serem “produzidos no âmbito das relações diplomáticas do Estado português”, eram de “acesso legalmente restrito”.

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