Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo em falência técnica desde a sua criação em 2008

Auditoria financeira realizada pelo Tribunal de Contas revela que um ”controlo interno deficiente” abriu a porta a irregularidades “materialmente relevantes” na gestão dos serviços de saúde do distrito de Beja.

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Paulo Pimenta

Criada em 2008, a Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo, (ULSBA), manteve-se sempre em “falência técnica” desde o seu início, conclui o Tribunal de Contas (TdC) numa auditoria financeira relativa ao exercício de 2016 e tornada pública nesta terça-feira.

Considerando as “ilegalidades e irregularidades detectadas, os erros e falhas nos elementos das demonstrações financeiras e no processo de relato financeiro”, o estado actual da gestão da ULSBA, fruto de um “sistema de controlo interno deficiente”, indiciam que situação “possa ser agravada pelo resultado das contas [da instituição] de 2018”, admite o TdC.

No contraditório que exerceu às questões que lhe foram colocadas pela entidade fiscalizadora das finanças públicas, o conselho de administração da ULSBA qualificou a situação económico-financeira de “calamitosa”. Esta entidade diz que foram “uma novidade” as demonstrações financeiras apresentadas na auditoria realizada ao ano de 2016, alegando que quando assumiu funções, em Abril de 2017, o panorama era muito mais confortável. Para o TdC esta reacção “evidencia que aceitaram a responsabilidade da gestão da entidade sem tomarem conhecimento da sua situação económico-financeira”.

A causa desta situação está no modelo de financiamento gizado pela tutela para a ULSBA,  “através de contratos programas”, que o TdC considera “insuficiente” para fazer face aos seus gastos correntes. As consequências das imparidades geradas obrigaram o Estado a intervir periodicamente através da injecção de verbas extraordinárias para pagamentos a fornecedores. Desde a sua criação, em 2008, a ULSBA já teve aumentos de capital de 38 milhões de euros.

As consequências da instabilidade financeira acabaram por gerar “distorções e desconformidades materialmente relevantes detectadas nas demonstrações financeiras e no processo de relato financeiro” que justificaram o “juízo desfavorável” que o TdC formulou sobre as contas de 2016 da ULSBA. 

No final de 2016, a instituição de saúde encontrava-se em falência técnica, com capitais próprios negativos de 16,3 milhões de euros e uma dívida a fornecedores de cerca de 17,3 milhões de euros. A auditoria revelou um “controlo interno deficiente, bem como ilegalidades que consubstanciam eventuais infracções financeiras, tanto de natureza sancionatória como reintegratória, na contratação de pessoal médico, no pagamento de suplementos remuneratórios, na utilização de viaturas e na execução de contratos sem visto prévio do Tribunal de Contas”.

Foi o caso de dois contratos de aluguer operacional de viaturas ligeiras (renting), no valor total superior 660.500 euros sem que tivessem o “devido visto do Tribunal de Contas”, sublinha esta entidade frisando que a decisão “pode configurar uma eventual infracção financeira susceptível de gerar responsabilidade financeira sancionatória.”

Para superar esta “calamitosa” situação, como a classifica a entidade visada, o TdC “recomenda” ao Ministério das Finanças o “reforço do capital estatutário” da ULSBA “de modo a retirar a entidade da situação de falência técnica”. Com efeito, a actividade desenvolvida pelos serviços de saúde do distrito de Beja “não gera rendimentos suficientes para fazer face à sua estrutura de gastos”. Uma tal distorção “conduziu ao aumento das dívidas, que apenas foi contido com a atribuição de verbas extraordinárias para pagamentos de gestão corrente” observa o relatório da auditoria.

No final de 2016, a ULSBA apresentava capitais próprios negativos de 16,3 milhões, estando a sua actividade a ser financiada “por recurso a capitais alheios”, ou seja, a fornecedores e outros credores, “sendo o prazo médio de pagamento de 277 dias” refere o TdC.

Nessa altura, as dívidas a fornecedores superaram os 17,3 milhões de euros, constituídas maioritariamente por dívidas a fornecedores de produtos farmacêuticos (61,3%) e de material de consumo clínico (20,8%). Cerca de 24,8% das dívidas referem-se a facturas emitidas em períodos anteriores, com antiguidade que remonta ao ano de 2002, “o que denota o deficiente controlo da dívida” assinala o TdC.

Esta entidade não poupa os conselhos de administração que geriram os destinos da ULSBA entre 2015 e o presente, ao classificar de “deficiente” a observância dos métodos e procedimentos de controlo interno que “não garantiram a salvaguarda dos activos, a legalidade e a regularidade das operações, nem acautelam a ocorrência de erros e distorções nas demonstrações financeiras".

Suplementos remuneratórios

No triénio 2015/2017, os médicos que exerceram funções de direcção, chefia, ou coordenação na ULSBA “foram abonados com suplementos remuneratórios em 14 em vez de 12 vezes por ano, num montante global superior a 75 mil euros”, diz o TdC. Já no decurso da auditoria, o conselho de administração daquela instituição de saúde determinou a reposição dos pagamentos indevidos de suplementos remuneratórios, mas só relativos a 2017. Ficaram por desencadear diligências para que fossem restituídos os montantes indevidamente pagos em 2015 e 2016.

A auditoria faz ainda referência à celebração, em 2016, de contratos de trabalho a “termo resolutivo incerto” com dois médicos com uma remuneração superior a 2700 euros, acima do valor autorizado por despacho da tutela de 1853 euros, e à atribuição de viaturas de serviço para uso pessoal a membros do conselho de administração da ULSBA.

O TdC considera que a “concessão de benefícios suplementares” ao sistema remuneratório dos titulares de órgãos de administração que, “para além de não admissível, carece de norma legal habilitante podendo consubstanciar uma eventual infracção financeira, passível de responsabilidade financeira sancionatória".

A ULSBA abrange uma população residente de cerca de 120.128 habitantes, embora entre 2012 e 2017, para efeitos de financiamento, a população residente de referência tenha sido de 126.602 habitantes. No final de 2016 exerciam a sua actividade no distrito de Beja, para além dos 228 profissionais com contrato de trabalho, mais 107 médicos na modalidade de prestação de serviços. No final de 2016 trabalhavam nos serviços de saúde da região 1643 pessoas.

O projecto de relatório de auditoria à ULSBA foi enviado para o Ministério Público.

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