Homicídios na família. Quem comete um crime tão grave como este?

Dois psicólogos forenses falam dos contornos que frequentemente assumem os crimes semelhantes aos que terão sido cometidos esta semana por Pedro H.

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PAULO PIMENTA

O caso de Pedro H. levanta muitas questões. Alegadamente matou a ex-sogra, no Seixal, quando ia entregar a filha de dois anos. Nesta segunda-feira estava marcada uma sessão no tribunal de família e menores para revisão do poder parental, com um pedido da mãe para ficar com a guarda total. Fugiu com a filha. O corpo da menina foi descoberto nesta terça-feira após um telefonema para o INEM, que se suspeita ter sido feito pelo próprio pai, a indicar a localização. Um pouco mais tarde, o homem foi encontrado morto em Castanheira de Pera, de onde era natural. Tudo indica que se suicidou.

Mauro Paulino, psicólogo forense, fala em três tipos de perfis de agressores. Um grupo em que existe “algum tipo de patologia mental, associada a consumos de álcool ou outro tipo de dependências”; outro em que “podem existir perturbações da personalidade, em que a pessoa tem características de agressividade ou instabilidade emocional”, e um terceiro “em que podemos falar de traços de personalidade menos funcionais ou menos adaptativos”. São pessoas que têm “uma maior tendência para a impulsividade, menos recursos para gerir o stress ou para procurar estratégias alternativas de resolução de problemas”, explica o também consultor do Instituto de Medicina Legal e Ciências Forenses de Setúbal.

“Este último grupo é constituído por indivíduos com frieza emocional, ausência de remorsos e, por vezes, com boa capacidade de planeamento e premeditação." Não conhece o caso que marcou o início desta semana, mas recorre às notícias que têm saído para levantar a possibilidade de Pedro se enquadrar melhor neste último grupo: "Há aqui uma ausência de flexibilidade na procura de resolver conflitos.”

O psicólogo forense Rui Abrunhosa Gonçalves refere que “este é o tipo de situações muitas vezes perpetrada por pessoas que têm doenças mentais graves e que estão descompensadas”. Também não tem detalhes sobre o caso, mas fala genericamente de situações com este tipo de desfecho. O carácter psicótico leva estas pessoas a desenvolver a ideia de que matar, inclusive os filhos, poderá ser a resolução dos problemas. “Chama-me a isso homicídio por compaixão, tem a ver com a noção de que a única maneira de conseguir salvar a situação é não deixar que essa pessoa sofra.” O homicida acredita que, sem ele, a vítima sofrerá ainda mais.

“Pode acontecer em casos de regulação parental, em que há um forte conflito entre os progenitores e a perspectiva de que não podem estar com o filho”, admite. “Neste caso, a sogra poderá terá sido vítima porque representaria uma ameaça ao contacto com a filha."

"O que está na base disso são perturbações mentais graves, descompensações graves, que geralmente sobrevêm da ideia da parceira anunciar a separação ou dizer que não quer mais a relação”, reforça.

Mauro Paulino recorre à literatura para dizer que no caso das mães fala-se, em geral, num grupo associado a patologia mental, noutro em que existem motivos de vingança e de um outro associado ao homicídio por compaixão. Este último, os estudos associam-no pouco aos pais homens. “Do que tenho lido não é a motivação mais comum.” Acredita mais na hipótese de Pedro ter agido por vingança, contra a ex-companheira, "roubando-lhe" as duas figuras mais importantes na vida dela: a mãe e a filha.

Houve falhas?

Sabe-se que a mulher, que perdeu mãe e filha, tinha apresentado queixa na PSP no final de 2017. O caso foi qualificado como violência doméstica “de risco elevado”. O processo, enviado para o Ministério Público, acabou por dar origem a um inquérito apenas por crime de coacção e ameaça. Em Janeiro do ano passado foi arquivado “por desistência de queixa da ofendida”, de acordo com a Procuradoria-Geral da República. A Comissão de Protecção das Crianças e Jovens do Seixal não tinha qualquer processo a decorrer relativo a esta família.

Houve falhas? Sinais prévios que não foram interpretados? “Acho que muitas vezes não é uma questão de falhas, é uma questão das pessoas não perceberam o risco que está envolvido nessas situações”, refere Abrunhosa Gonçalves, salientando a importância que os médicos de família, por exemplo, podem ter na indicação de eventuais problemas mentais.

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