O que tem a OPA sobre o DIA a ver com o Minipreço em Portugal?

O grupo DIA, dono da cadeia alimentar Minipreço e da rede de drogarias Clarel foi hoje alvo de uma oferta pública de aquisição na bolsa espanhola, fazendo os títulos valorizarem 63% numa só dia. Em Portugal, cadeia teve quebras de 3,3% nas vendas e encerrou 26 lojas no terceiro trimestre de 2018

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NFACTOS/Fernando Veludo

O grupo espanhol DIA foi hoje notícia pela Oferta Pública de Aquisição do grupo LetterOne Investments, já dono de 29% do capital, que se compromete ainda a assegurar um aumento de capital de 500 milhões de euros para reforçar a retalhista. Em reacção, o valor das acções da DIA dispararam 63% na bolsa de Madrid hoje, para 0,70 euros, mais três cêntimos do que o valor de referência da intenção de lançamento de OPA hoje anunciado.

A companhia de distribuição alimentar que no último ano tem enfrentado abrandamento da actividade e dificuldades financeiras, subscreveu em final de 2018 um compromisso financeiro de 600 milhões de euros no âmbito de uma reestruturação – agora contestada pelo grupo que lançou a OPA –, que poderá levar ao encerramento de 250 a 300 lojas na Península Ibérica, avançavam ontem os jornais espanhóis (até cerca de 7% do parque total ibérico do grupo). Desde 28 de Dezembro que é ainda sabido que, no âmbito do plano de reestruturação financeira, a rede Clarel e o negócio grossista (cash & carry Max) serão alienados pelo grupo espanhol.

O grupo LetterOne, de Mikhail Fridman, que hoje anunciou a OPA, não revela ainda o que vai fazer à rede da companhia DIA, nomeadamente em Portugal, adiantando somente que o grupo tem que ter “uma estratégia de rede de lojas adequada” em todos os mercados em que opera. Quanto à franquia, os oferentes querem “identificar franquiadores com desempenho acima da média para um “novo e melhorado modelo de franquia de longo prazo”.

Presença em Portugal

A cadeia DIA finalizou Setembro de 2018 (últimos dados disponíveis) com 7.429 lojas, das quais 5.300 em Portugal e Espanha – onde 56% das unidades Dia são operadas por franchisados. De acordo com os dados divulgados ao mercado em final de Outubro de 2018, o terceiro trimestre não foi brilhante em Portugal: houve diminuição de vendas, 26 encerramentos (líquidos) de lojas no país e o investimento caiu 11,6%. Isto, apesar da companhia então afirmar que “na Ibéria o investimento aumentou 60,5%, para 211,3 milhões de euros” nos primeiros nove meses do ano passado.

Na apresentação avançada em Setembro não foi contabilizado o número de lojas em Portugal. Mas, três meses antes, segundo a apresentação de resultados relativos ao primeiro semestre do ano passado, a DIA detinha 634 lojas no mercado nacional – 327 exploradas em regime de franchising e 307 lojas próprias do grupo, exploradas directamente. No site português, a companhia contabiliza “mais de 3.500 colaboradores” para o universo Minipreço.

Em Setembro, a administração da companhia afirmava ainda que “tanto em Espanha como em Portugal viram decrescer as suas vendas quer em termos trimestrais [de Julho a Setembro de 2018] como acumulados [de Janeiro a Setembro de 2018], se bem que a descida continue a ser mais acentuada em Portugal”.

Nos primeiros nove meses do ano, o grupo espanhol registou em Portugal vendas brutas (incluindo IVA) de 619 milhões de euros sob a marca (inclui franchisados), o que significa uma perda de 3,3% face a igual período de 2017. Em termos de contexto, o grupo vendeu menos em todos os mercados no período, de 2,4% em Espanha a 26,1% (sem efeito cambial) na Argentina. Fechou os nove meses com uma quebra global de 9% das vendas acumuladas, nos 6.949 milhões de euros, em todo o mundo.

No final de Setembro passado, a companhia DIA tinha atingido um EBITDA (resultado antes de juros, impostos, depreciação e amortização) de 281,1 milhões de euros (uma quebra de 24,1%, com uma deterioração do mesmo indicador de 12,2%, para 245,4 milhões de euros na região ibérica. Nessa altura, “a dívida líquida alcançou 1.422 milhões de euros”, o “equivalente a 3,1 vezes o EBITDA ajustado” dos 12 meses anteriores.

O período Carrefour

A companhia espanhola DIA – Distribuidora Internacional de Alimentación SA data de 1979, quando na altura pertencia ao grupo francês Promodès, e qualifica-se como a primeira rede de lojas de “discount” (modelo de supermercado em que o serviço é reduzido ao mínimo, para que essa diminuição de custo seja traduzível na factura a pagar em caixa pelo cliente) lançada em Espanha. Em Portugal, o grupo inaugurou a primeira loja DIA em 1993 – o mercado nacional foi, como no caso da Zara e da Mercadona, o primeiro movimento de internacionalização para a companhia espanhola.

Mas é, sobretudo, conhecida pela marca portuguesa Minipreço, rede de retalho alimentar que fora criada no mesmo ano de 1979, mas que só foi comprada pelos espanhóis em 1998. A rede então adquirida acabou por originar a particularidade de em Portugal o nome DIA manter-se em paralelo com a insígnia Minipreço nas lojas.

A compra de pequenas cadeias em várias regiões de Espanha, como tinha sido em Portugal, foi a forma mais recorrente de expansão do grupo, que desde 1989 reforçou a sua ambição com a aposta em franchising. A internacionalização fez-se para a Grécia, Argentina e Turquia, mas foi com a plena integração no grupo Carrefour (maiso retalhista alimentar da Europa), no virar da década, que a companhia DIA passou a ter outra dimensão.

Somou o Brasil, a China e fez uma aquisição com novos impactos em Portugal: em 2007, quando o grupo alemão de “hard discount” Plus saiu de vários mercados vendeu os activos portugueses e polacos à Jerónimo Martins (dona das redes portuguesa Pingo Doce e polaca Biedronka) e alienou os activos espanhóis à DIA, que ficou também com a actividade não alimentar (Clarel). Só nessa operação, a DIA adicionou mais 250 lojas no mercado espanhol.

Os franceses do Carrefour tinham entrado em 1999 por compra dos rivais Promodès, mas a década que se seguiu acabou por provar que o segundo maior retalhista alimentar do mundo – ultrapassada apenas pela norte-americana Walmart – não tinha a mesma capacidade de integração do ramo “discount” ibérico com presença em territórios tão díspares (e alguns coincidentes) como Brasil, China, Grécia e Turquia.

O grupo francês acabou por escolher uma estratégia de reestruturação e reduzir presença internacional a meio da década de 2000 – o que acabou por ditar também a sua saída de Portugal, com a venda dos hipermercados ao grupo Sonae (dono do PÚBLICO) em 2007 – e cindiu o activo DIA do seu portefólio.

OPA de 296,09 milhões de euros

A finalização deste processo ocorreu em 2011, ano em que o grupo DIA foi cotado em bolsa, com mais de 50% do seu capital em “free float”. Hoje, o maior accionista identificado é o investidor Mikhail Fridman, via LetterOne Investments Holdings, com 29,001% do capital (representativo de 29,489% dos direitos de voto).

Foi este accionista que, em discordância com a actual gestão da DIA e após várias ameaças, anunciou hoje a sua intenção de lançar uma oferta pública de aquisição, “voluntária”. Através da sociedade L1R Invest1 Holdings, com sede no Luxemburgo, a OPA visa as restantes 441.937.819 acções (equivalentes a 70,999% do capital) que a holding de Fridman ainda não detém, dispersas no mercado espanhol, o único em a sociedade DIA está cotada.

A oferta está contudo condicionada à obtenção de um capital mínimo de 50% do universo total possível, ou seja ao equivalente a 35,499% da sociedade DIA, o que garante, caso tenha sucesso, à LetterOne de Fridman “uma participação mínima de 64,50%”.

O valor oferecido é de 0,67 euros por cada título o que, contabiliza o oferente no anúncio ao mercado esta manhã, lhe custará 296.098.339 euros caso obtenha os 70,999% de capital visados. É um prémio de 56,1% face ao preço de fecho desta segunda-feira, 4 de Fevereiro.

A recapitalização de 500 ou 600 milhões de euros

Na mensagem que acompanha o anúncio de intenção de lançar a OPA, a LetterOne compromete-se ainda a realizar um “aumento de capital de 500 milhões de euros após a finalização da OPA voluntária”, e posterior acordo com a banca credora O projecto visa a “implementação de um plano de transformação integral a cinco anos”.

O plano, a que a LetterOne intitulou de “Fazer do DIA um líder”, é composto de três partes que, além da OPA e do aumento de capital propostos, contempla ainda um projecto de “transformação integral baseado em seis pilares, liderado e gerido pela L1Retail [grupo oferente], que resulte na transformação integral da companhia nos próximos cinco anos”.

Os “seis pilares fundamentais” são: “uma nova proposta de valor comercial; reajuste do preço e de promoções; uma estratégia de rede de lojas adequada; recrutar nova liderança e desenvolver o talento interno”; melhorar a execução das operações retalhistas; e investir na marca e em marketing”.

Com este plano, advoga Fridman, o grupo DIA poderá ser um “protagonista líder no sector da distribuição retalhista alimentar em Espanha, Brasil, Argentina e Portugal para o benefício de todos os grupos de interesse, incluindo clientes, empregados, franchisados, fornecedores, credores e accionistas”.

“A companhia precisa de uma nova visão, uma nova estratégia e uma solução financeira que resolva as necessidades de liquidez a curto prazo e garanta o futuro do DIA a longo prazo”, acrescenta a mensagem ao mercado da LetterOne, recordando que o preço das acções em bolsa da retalhista espanhola já desvalorizaram 89,3% nos últimos 12 meses, espelho da reexpressão das contas de 2017 e de "um 'profit waring' significativo em 2018".

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