Sindicato acusa Governo de tentar “boicotar” greve dos enfermeiros

Serviços mínimos foram alargados, tornando difícil o seu cumprimento, diz dirigente sindical, que acusa Governo de querer provocar o "incumprimento" para poder avançar para uma requisição civil. Nos dois primeiros dias de greve foram adiadas 645 cirurgias.

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Adriano Miranda

"O Governo está a tentar" que os enfermeiros que participam na segunda greve cirúrgica "não cumpram os serviços mínimos decretados pelo tribunal arbitral para ter fundamento jurídico para avançar para a requisição civil". A acusação é de Lúcia Leite, presidente da Associação Sindical Portuguesa dos Enfermeiros (ASPE), uma das duas estruturas sindicais que convocaram esta inédita e polémica forma de protesto que o primeiro-ministro classificou já como "selvagem" e "ilegal".

Nos dois primeiros dias deste protesto que afecta sete unidades hospitalares foram adiadas mais de metade das cirurgias previstas, adiantou esta segunda-feira o Ministério da Saúde.

Ao contrário do que aconteceu na primeira greve às cirurgias programadas, entre Novembro e o fim de Dezembro passado, desta vez o tribunal arbitral que determina os serviços mínimos a cumprir alargou-os e a tutela deu “orientações para que marcassem exclusivamente [as cirurgias de] doentes prioritários”, nomeadamente oncológicos, sendo que “muitos já têm tempos de espera longos”, o que "inviabiliza o cumprimento dos tempos máximos de resposta", explica Lúcia Leite. "É um declarado boicote à greve”, remata.

Desta vez, o tribunal arbitral, além de definir a tipologia de doentes a operar, obriga a que haja mais profissionais a trabalhar, porque impõe que haja pelo menos quatro enfermeiros (instrumentista, anestesista, circulante e de recobro) "não só nos blocos operatórios centrais dos hospitais mas também nos blocos das especialidades", acrescenta a dirigente sindical.

Os tempos máximos de resposta são de 180 dias nas cirurgias programadas, mas de apenas 60 dias nos casos de doentes oncológicos de menor gravidade. Lúcia Leite diz que "alguns doentes agendados para cirurgias nesta segunda-feira já tinham ultrapassado os 180 dias de espera".

A agravar, acrescenta, num email mandado para as administrações hospitalares das unidades afectadas, a chefe de gabinete da ministra Marta Temido estipulou que se, "em função do número de doentes que se enquadram nos procedimentos previstos no acórdão [do tribunal arbitral], for necessário escalar 100% dos profissionais, será isso o determinado". Em síntese, remata Lúcia Leite, "ao Governo o que interessa agora é que sejam adiadas muitas cirurgias para poder fundamentar a decisão de optar pela requisição civil". 

Nos dois primeiros dias da paralisação, não foram realizadas 645 intervenções cirúrgicas, 57% do total agendado para essas datas (1133), indica o primeiro balanço do Ministério da Saúde. Foi no Centro Hospitalar de Entre Douro e Vouga que o impacto da paralisação foi superior, com 81% das cirurgias agendadas a terem que ser adiadas.

Nos centros hospitalares universitários do Porto e de S. João o impacto também foi significativo, com cerca de dois terços das cirurgias a não poderem ser realizadas. Já no Hospital Garcia de Orta (Almada) metade das operações não foram efectuadas mas, nos hospitais de Braga e de Vila Nova de Gaia e no Centro Hospitalar Tondela-Viseu, o impacto foi menor, levando a que cerca de um terço das intervenções tivessem que ser adiadas.

Durante o primeiro período do protesto, entre Novembro e o fim de Dezembro passado, foram adiadas cerca de 7500 operações. Esta nova greve estende-se até ao final de Fevereiro. Abrange as sete instituições mencionadas e, a partir do próximo dia 8, vai ser alargada a mais três centros hospitalares: o de Coimbra, o de Lisboa Norte e o de Setúbal.

À espera de parecer da PGR

Quanto à eventualidade de o Governo decretar a requisição civil de enfermeiros - que o Ministério da Saúde já admitiu estar a estudar, entre outras hipóteses -, ainda não havia novidades esta segunda-feira.

Aguarda-se o parecer pedido há dias e complementar a um primeiro, que foi solicitado ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (PGR) a propósito da primeira "greve cirúrgica". Este novo parecer visa esclarecer várias questões, nomeadamente a do financiamento através de uma plataforma de crowfunding (com donativos) e a da duração deste protesto.

O Governo espera que o novo parecer do Conselho Consultivo da PGR – que da primeira vez considerou lícita esta greve, apesar de deixar em aberto algumas questões – possa servir de base a alguma forma de reacção jurídica, que pode ou não passar pela requisição civil.

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