Euro. 20 anos de sucesso internacional?

A criação do euro só pode ser comparável à substituição (após a Primeira Grande Guerra) da libra inglesa pelo dólar norte americano como moeda de referência internacional.

A passagem, em 1 de janeiro de 1999, à 3.ª fase da União Económica e Monetária (UEM) marcou de forma indelével a história da construção europeia, uma vez que Estados soberanos substituiram as suas moedas nacionais por uma moeda comum (euro) e transferiram as suas competências em termos de políticas monetárias para uma estrutura supranacional. Do ponto de vista das relações monetárias internacionais, a criação do euro só pode ser comparável à substituição (após a Primeira Grande Guerra) da libra inglesa pelo dólar norte americano como moeda de referência internacional.

Aquando da criação do euro, muitos economistas duvidavam do potencial do euro enquanto moeda internacional e da possibilidade de o Sistema Monetário Internacional assentar no bilateralismo monetário (euro e dólar norte-americano com papel relevante e de igual importância).

Num artigo que escrevi em 1999 (“O Euro como moeda internacional”, Informação internacional, Vol. II, Ministério do Planeamento/DPP), procurei responder a esta questão analisando duas ordens de factores que, do ponto de vista conceptual, influenciariam a utilização do euro como moeda internacional: factores de dimensão e factores de risco.

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No que respeita aos factores de dimensão, os dados disponiveis eram favoráveis ao euro, dada a dimensão do seu mercado interno (i.e. zona euro), ainda que do ponto de vista das relações comerciais com o resto do mundo, o grau de abertura fosse relativamente baixo (ainda assim superior ao observado para os EUA e Japão). Sobre esta matéria nada de significativo mudou nestes últimos 20 anos.

Quanto aos factores de risco, importa analisar um conjunto de aspetos relacionadas com o nivel de integração e a estabilidade politica, social e económica da zona responsável pela emissão da moeda.

Em primeiro lugar, a estabilidade da política monetária apresenta-se como essencial para o sucesso de uma moeda. A este propósito, Paul de Grauwe levantava em 1999 algumas preocupações (que se vieram a revelar fatais durante a crise iniciada em 2007), a saber: i) “configuração” do BCE favorável à tomada de posições “nacionalistas” dos governadores, dificultando a tomada de decisões que favoreçam o conjunto em detrimento do nacional; ii) a ausência de uma supervisão bancária centralizada; e iii) ausência de responsabilidades claras na gestão de crises.

Em segundo lugar, o nível de integração económica de uma região apresenta-se como essencial para a constituição de uma “zona monetária óptica”, elemento essencial para a fusão de antigas moedas ou criação de uma nova moeda (recorde-se a este propósito os trabalhos pioneiros de Robert Mundel). Apesar de existirem fortes relações comerciais e um elevado grau de integração financeira entre os Estados membros, a inexistência de mobilidade perfeita do factor trabalho no espaço da “zona euro”, bem com a ausência de uma política fiscal comum, impedem-nos de atribuir à zona euro o estatuto pleno de “zona monetária óptica”. Acresce, em complemento à abordagem mundelliana anterior, que o insuficiente grau de convergência económica entre os paises integrantes da “zona euro” parece reforçar a conclusão anterior.

Em terceiro lugar, a existência de estabilidade política e de um Estado forte são condições relevantes no desempenho favorável de uma dada moeda. A este propósito, importa recordar que a criação do euro reveste-se de uma caracteristica muito especial e que tem a ver com o facto de não ter associado a si uma união política (o princípio de “um país, uma moeda”). Princípio que, no caso do euro, foi quebrado e substituido pelo principio de “um mercado, uma moeda”.

Apesar de todas as limitações anteriores, o certo é que, do ponto de vista internacional, o euro impôs-se como moeda de referência (segunda moeda mais importante no mundo, sendo a divisa de 19 países e de 340 milhões de europeus) conduzindo, de uma forma inequívoca, à criação de uma situação de bilateralismo monetário no quadro do Sistema Monetário Internacional.

Contudo, será que o sucesso do euro enquanto moeda internacional se refletiu, do ponto de vista interno de cada uma das economias que o constituem, num sucesso económico? Ou será, como refere Joseph Stiglitz, que o euro é uma ameaça ao futuro da Europa?

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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