“Queremos tornar incomportável manter prédios devolutos em áreas de pressão urbanística”

Ana Pinho, secretária de Estado da Habitação, diz que o Governo pretende integrar o apoios ao arrendamento jovem, o Porta 65, no programa de Arrendamento Acessível. Mas só quando este tiver muita oferta.

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daniel rocha

Um estudo apresentado recentemente pelo Observatório de Crises e Oportunidades mostrava que a forma como tem sido encarada a habitação, como um activo financeiro, também nas políticas de habitação, não resolveu problemas mas acentuou desigualdades. A financeirização da habitação não desaparece desta nova geração de políticas. 

Estamos numa economia de mercado. Para erradicar o valor financeiro da habitação, teria de nacionalizar tudo. Acreditamos que é possível e necessário haver mais oferta pública, mas todas as políticas anteriores deixaram-nos com uma percentagem de apenas 2%. O nosso objectivo a médio prazo é passar para 5%, e chegar às 170 mil casas com apoio público. Temos um diagnóstico das necessidades feito e não vamos chegar ao objectivo de as erradicar em tempo útil apenas com promoção pública.

O Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado foi apresentado como o grande instrumento de promoção pública, mas só tem dois subfundos aprovados. 

E tem três em aprovação. Estamos a falar de dez imóveis que estão na CMVM, já aprovados ou pendentes. Mas há 243 imóveis identificados, que estão para entrar em processo de avaliação e constituição de fundos. Eles vão ser avaliados, mas não há garantias que entrem todos. Há muitas contas que têm de bater certo. Porque a rentabilidade [de 4%] tem de ser assegurada. Recordo que temos fundos da Segurança Social a alavancar este investimento. Aqui não há esforço directo do Orçamento de Estado, mas estamos sempre a falar de património público e de um financiador público.

A política de habitação devia ter direito a um maior esforço do Orçamento de Estado?

Tudo o que é esforço do Orçamento de Estado a fundo perdido, digamos assim, é graduado em função do provento social do alojamento. Isto é, quando é alojamento para a população mais carenciada, temos o Primeiro Direito, que já está a funcionar e para o qual já estão comprometidos 700 milhões de euros até 2024 para apoiar a nova oferta pública de habitação. Quando é para casos de rendimentos intermédios, temos mobilização de parque habitacional do Estado, IPSS, das autarquias e sector público e terceiro sector com um financiador público também, com o FNRE. O que achamos é que estas duas coisas juntas não vão chegar aos 5% em tempo útil, daí termos incentivos que não mobilizam recursos públicos em termos de património nem OE, prescindimos de receber receita fiscal, para que os privados possam aderir a este programa e ajudar a cumprir esse objectivo.

Como quantifica o apoio que pretende dar aos privados?

Há quem nos acuse de estar a dar borlas aos proprietários, mas nos só vamos atribuir benefícios se eles o repartirem com os inquilinos, baixando as rendas. Depois temos os apoios aos privados para recuperar imóveis, como o programa Reabilitar para Arrendar, o IFRUU, o Casa Eficiente, ou até a alteração na legislação que vai permitir que quem construa ou reconstrua imóveis e coloque fogos na renda acessível durante 25 anos pagará IVA a 6%. É por haver todas estas condições e apoios aos privados que nos permitimos ir atrás dos prédios devolutos e penalizá-los a sério. Se já há tantos incentivos e instrumentos não há justificação sobretudo em zonas de maior pressão urbanística para prédios ficarem devolutos.

O agravamento fiscal de prédios devolutos não tem sido muito usada pelas autarquias

Estamos a falar de um agravamento fiscal a sério. Mas devem ser os municípios a decidir se os aplicam ou não. Os municípios que vieram ao Governo pedirem medidas poderão fazê-lo. Nós pretendemos tornar incomportável manter prédios devolutos em áreas de pressão urbanística. E por isso também quisemos mexer no regime das obras coercivas, porque o que já existe não está a funcionar em condições.

O que vai acontecer ao Porta 65?

Pretendemos que quando houver uma oferta consolidada no âmbito do Programa de Arrendamento Acessível, o Porta 65 fique ligado a este programa. Ou seja, os inquilinos que preencham os requisitos para se candidatar ao Porta 65 têm de arrendar uma casa que esteja no programa de arrendamento acessível. Mas só faremos isso quando houver muita oferta no programa, senão estamos a restringir o Porta 65.

Quantas autarquias já terminaram as respectivas estratégias locais de habitação?

Só temos duas entregues, mas é compressível. A portaria que as regulamenta é recente e estamos a falar de um trabalho de fundo. Temos 18 casos de municípios que pediram apoio financeiro para elaborar a estratégia e outros dois casos de pedidos de apoio técnico ao IHRU. Mas o que é revelador é o facto de termos tido 169 municípios envolvidos activamente na discussão em reuniões sobre este programa. E foram os municípios que representam mais de 90% das carências identificadas.

Para a estratégia local de habitação é importante concluir o pacote de descentralização e saber para quem fica a propriedade dos bairros do IHRU, por exemplo?

De todo. Não importa se o bairro é do Estado, da câmara ou privado. A estratégia local de habitação sinaliza famílias carenciadas e não fogos ou proprietários.

Mas a estratégia tem de pensar no parque habitacional que tem disponível. E as câmaras não estão a aceitar os bairros do IHRU.

Não é obrigatório haver transferências. Para este caso, a propriedade não importa. O que importa é que é as câmaras que compete sinalizar os casos de habitação indigna e definir o que fazer com eles. Mas sobre descentralização, o secretário de Estado das autarquias locais e a ANMP é que são os interlocutores.

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