Putin responde à letra aos EUA e retira Rússia de tratado nuclear

Washington suspendeu a participação no tratado dizendo que Moscovo o viola, Rússia nega e diz que os norte-americanos não querem negociar. Desta birra pode nascer uma nova corrida às armas.

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Putin não quer negociar mais com os EUA Marcos Brindicci/REUTERS
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Exposição militar nos arredores de Moscovo onde foi apresentado o míssil russo Novator 9M729 Maxim Shemetov/REUTERS

Depois de os EUA terem confirmado que suspendiam a sua participação no Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermédio, o Presidente russo, Vladimir Putin, anunciou por sua vez que Moscovo suspendia a sua participação neste tratado assinado em 1987 por Ronald Reagan e Mikhail Gorbatchov, e que não pretendia autorizar negociações diplomáticas para normalizar a colaboração nuclear entre os dois países.

O receio dos especialistas de que se esteja a assistir ao nascimento de uma nova era de corrida às armas parece confirmado com o anúncio feito posteriormente pelo primeiro-ministro russo, Dmitri Medvedev, de que o Governo de Moscovo estava a preparar "os mecanismos necessários para financiar o desenvolvimento de novas armas nucleares", noticiou a agência chinesa Xinhua.

Putin tinha anunciado a resposta russa numa reunião com os seus ministros dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, e da Defesa, Sergei Shoigu, em que prometeu uma "resposta simétrica" à retirada norte-americana do pacto. Washington acusa Moscovo de "constantes violações" ao tratado, já denunciadas pelo vice-presidente Mike Pence numa cimeira da NATO.

​Em causa, para os EUA, está sobretudo o míssil russo SSC-8 (ou Novator 9M729), que dizem ter capacidade para atingir cidades europeias com uma ogiva nuclear em poucos minutos e viola o tratado.

A Rússia mostrou-o para uma plateia estrangeira pela primeira vez no fim de Janeiro, num parque temático militar, nos arredores de Moscovo, insistindo que está conforme as regras do tratado do qual as duas potências agora se suspenderam. A exposição, para a qual foram convidados adidos militares estrangeiros e a imprensa, destinou-se a demonstrar "a transparência russa e a nossa aderência ao tratado", disse o general Mikhail Matveievski ao New York Times.

Putin disse que os EUA estão, há anos, a ignorar as iniciativas russas de desarmamento e "passam o tempo todo à procura de pretextos para desmantelar o sistema de segurança existente". Por isso, o Presidente russo não quer que os ministros dos Negócios Estrangeiros e da Defesa iniciem novas negociações com os EUA. Pelo menos, frisou, até que "os parceiros norte-americanos amadureçam para acompanhar um diálogo consistente e igual".

Os Estados Unidos, por seu lado, estão também a desenvolver uma nova geração de armas nucleares em resposta aos esforços de modernização nuclear da Rússia – mais pequenas, e por isso, pelo menos em teoria, mais fáceis de utilizar num hipotético campo de batalha. Isto porque teriam consequências menos devastadoras do que as mais poderosas bombas nucleares. Estas armas não estão abrangidas pelos actuais tratados para limitar o uso de armas nucleares.

As primeiras armas deste tipo, que podem ser montadas em mísseis Trident, começaram já a ser fabricadas no Texas, anunciou a Agência Nacional de Segurança Nuclear dos EUA, no fim de Janeiro, noticiou o Guardian. As primeiras armas, designadas W76-2 e com uma carga explosiva de cinco quilotoneladas – ou um terço da bomba lançada em Hiroxima – devem ficar prontas em Setembro.

O tema do orçamento para o desenvolvimento de armas nucleares deve transformar-se num tema de conflito entre o Presidente Donald Trump e a nova maioria democrata na Câmara dos Representantes. O Gabinete de Controlo do Orçamento do Congresso disse em Janeiro que, durante a próxima década, o custo dos investimentos previstos para modernizar o programa nuclear norte-americano aumentou para 494 mil milhões de dólares – 430 mil milhões de euros, ou 87 vezes o montante que Trump está a pedir para iniciar a construção do muro na fronteira com o México, diz o New York Times.

Neste pacote é preciso incluir também os planos para os EUA desenvolverem, pela primeira vez desde 1991, novas armas nucleares de longo alcance. Isto, diz ainda o New York Times, é algo que outras nações estão a utilizar para justificar a modernização dos seus próprios arsenais. Tudo isto se junta para compor um cenário de fim de mais de meio século de uma política de contenção de armas nucleares.

Os analistas temem também pelo futuro do tratado New START, assinado pelos Presidentes Barack Obama e Dmitri Medvedev em 2010 – o seu prazo de validade termina em 2021, pouco tempo depois da tomada de posse do próximo Presidente dos EUA, e não é claro que possa ser prolongado. Este acordo foi responsável pela redução dos arsenais nucleares das duas nações ao nível mais baixo dos últimos 60 anos.

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