“Coletes amarelos” querem chegar a Bruxelas, mas falta “estrutura ideológica”

Há duas listas para se candidatarem às eleições europeias, mas não conseguem apoios no movimento. E ninguém sabe como conseguirão o dinheiro necessário para a campanha.

Foto
Manifestante em Paris CHRISTOPHE PETIT TESSON/EPA

O movimento dos “coletes amarelos” em França avançou com duas listas diferentes às eleições europeias em Maio. Mas conflitos internos, falta de ideologia, falta de organização e coesão podem impedir os agora manifestantes de se tornarem eurodeputados.

“Nos 'coletes amarelos' não há estrutura nem muita ideologia. Há o descontentamento social, há um grande desconhecimento da Europa e o medo da globalização. Não é suficientemente estruturado ideologicamente para que se possa aguentar muito tempo”, garantiu à agência Lusa Catherine Wihtol de Wenden, diretora emérita do centro de investigação da Sciences Po Paris.

A primeira lista de “coletes amarelos” a apresentar-se às europeias chama-se Ralliement d'initiative citoyenne ou RIC (ou Concentração de Iniciativa Cidadã, em português) e, apesar de ter revelado os seus dez primeiros candidatos, conta já com algumas desistências.

Esta lista é encabeçada por Ingrid Levavasseur, auxiliar de hospital de 31 anos, divorciada e mãe de dois filhos. Levavasseur ganhou notoriedade ao participar em vários programas de debate na televisão francesa explicando que com o salário mínimo, não conseguia pagar todas as suas contas e, ao mesmo tempo, não se qualificava para receber as ajudas do Estado.

Poucos dias depois da lista ter sido apresentada, o seu director de campanha, Hayk Shahinyan, “colete amarelo” de 29 anos, e o quarto candidato, Marc Doyer, abandonaram a iniciativa, cada um por motivos diferentes.

Hayk Shahinyan disse na sua página na rede social Facebook que tinha “dúvidas” sobre o projecto e que se tinha precipitado. “Sempre achei que ter dúvidas, numa dose razoável, é um sinal de inteligência, assim como colocar-se questões, pôr-se a si mesmo em questão e corrigir o que deve ser corrigido”, afirmou. Incluiu nos motivos ainda o impacto que os ferimentos de Jérôme Rodrigues, “colete amarelo” lusodescendente, tiveram na sua decisão.

Questionado pela Lusa se tinha sido convidado para esta lista, Jérôme Rodrigues disse que não e que não quer “ter nada a ver com a política”.

“Sou um canalizador e a única coisa que eu quero é que possamos viver com aquilo que ganhamos do nosso trabalho, que haja menos impostos e uma nova forma de democracia em França. Quando isto acabar, eu volto à minha vida e ao meu trabalho. Não quero nada com a ver com a política”, insistiu.

Já Marc Doyer alegou que o assédio que sofreu nas redes sociais por outros “coletes amarelos” depois de ser conhecido que esteve ligado ao movimento República em Marcha, que apoiou Emmanuel Macron à Presidência, o levou a retirar-se da corrida. A Lusa tentou falar com os diversos membros da lista através das redes sociais, sem ter obtido qualquer resposta.

“Seria como votar Macron”

A lista tem tido mesmo dificuldades em ganhar o apoio da generalidade dos “coletes amarelos”. Eric Drouet, outra figura mediática do movimento e fundador da página do Facebook France en Cólere, afirmou que votar “coletes amarelos” nas eleições europeias seria como votar no Presidente.

“Votar 'coletes amarelos' é votar Macron [...] O objectivo dos 'coletes amarelos' é ter avanços concretos e imediatos agora, mas ser deputado europeu não confere esses poderes", alertou Drouet.

Uma segunda lista de "coletes amarelos" foi, entretanto, anunciada, e chama-se Union Jaune (União Amarela em português). É liderada por Patrick Cribouw, “colete amarelo” vindo de Nice, e quer centrar-se mais em problemas ligados à imigração.

“Sim a uma França que acolhe estrangeiros, mas nós já temos 11 milhões de franceses em precariedade total. Não está na altura de mudar as coisas?", questionou o “colete amarelo” ao lançar a lista.

O debate do Presidente

As deserções e fracturas não surpreendem Catherine Wihtol de Wenden.

"Parece que o movimento se vai desfazer. E uma das razões é o Grande Debate. Muitas pessoas podem finalmente debater e perceberam que a imagem que têm da democracia em França não é bem assim e que, afinal, não sabiam tanto sobre certas matérias como afinal pensavam que sabiam", indicou a politóloga.

O Grande Debate surgiu como uma iniciativa do Presidente Emmanuel Macron para apaziguar as exigências da população, gerando vários debates locais onde temáticas como finanças públicas, ambiente e democracia são discutidas com eleitos locais e alguns eleitos nacionais como deputados e ministros.

Até agora, já foram organizados quase 2000 debates deste género, não só em França, mas também nas comunidades de franceses espalhadas por todo o mundo. As conclusões serão depois sintetizadas, analisadas pelo Governo, podendo influenciar mudanças na legislação e organização do país.

As sondagens mais recentes mostram que uma lista dos “coletes amarelos” pode situar-se no terceiro lugar das preferências eleitorais dos franceses, com cerca de 13% dos votos e penalizando directamente a União Nacional, partido de extrema-direita de Marine Le Pen, segundo os números apurados pela empresa ELABE para a televisão BFMTV e o jornal L’Opinion.

Mas para chegar a Bruxelas, as listas dos “coletes amarelos” têm de se conseguir financiar. Com uma limitação legal de 4600 euros de doações individuais, não será fácil atingir os 700 mil a 800 mil euros que custa uma campanha para as europeias em França.

A lista encabeçada por Ingrid Levavasseur afirma ter já 10% do valor necessário, sem ter anunciado ainda como pretende angariar o resto dos fundos necessários para levar a cabo a campanha.

Sugerir correcção
Ler 2 comentários