Há vida no telhado

É bom ter um telhado atrás do televisor para poder lê-lo durante as partes chatas das séries.

Gosto de olhar para telhados. Um telhado é um prato onde há petiscos escondidos para os pardais. É uma horta de flores que nenhum vento deita abaixo.

É um caminho conveniente para os gatos. Eles agradecem a mania humana de construir estas passagens de nível com telhas. Eles preferem andar altos e altivos, de rabo levantado para a rasteirice dos cães.

Um telhado é um campo de caça embora eu nunca tenha visto um gato a apanhar um pássaro num telhado. Parece-me que os gatos preferem fingir que caçam. Do que eles realmente gostam é de aproximar-se muito devagarinho da suposta presa. São apologistas daquela máxima que diz que vale mais a viagem do que o destino.

Para observar o ecossistema de um telhado é preciso paciência. É pena não se verem os insectos – mas também lá estão, despertando curiosidades. A princípio parece que os bichos usam o telhado um bicho de cada vez. Quando a alvéola-branca se vai embora abre-se o caminho para a carriça.

Mas não. Não está nada combinado. Podem estar as duas ao mesmo tempo, indiferentes à demanda da outra.

Um telhado é uma rampa de amor para os pombos que namoram o ano inteiro, infiéis só à noção de haver uma época para tudo.

Já os gatos preferem os cios curtos porque têm muita coisa marcada para o resto do ano, como tentar dormir mais um bocadinho entre sonos. O namoro dos pombos é moderno e consensual. O namoro dos gatos é feroz e medieval. Os pombos gostam, os gatos detestam.

É bom ter um telhado atrás do televisor para poder lê-lo durante as partes chatas das séries.

Sugerir correcção
Ler 2 comentários