Porque “a cosmética não é o parente pobre da Ciência”, Marta fala da pele que habitamos

No blogue “A pele que habito”, Marta Ferreira descodifica rótulos de cosméticos, responde a dúvidas sobre cuidados diários e desfaz mitos. A farmacêutica com queda para a cosmetologia acredita que ter preocupações com a pele “não é fútil”.

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Marta Ferreira tem 26 anos e é mestranda em Tecnologia Farmacêutica NELSON GARRIDO

Marta Ferreira não hesita: “A cosmética não é o parente pobre da Ciência.” Todos nós usamos cosméticos — e todos os dias. Pasta dos dentes, champô, gel de banho. Já “para não falar do creme hidratante”. “Mas nem todos tomamos medicamentos todos os dias.” Por isso, esta farmacêutica com queda para a cosmetologia acredita que ter preocupações com a pele “não é fútil”. “O bem-estar não é fútil, até se enquadra na definição abrangente que temos de saúde.” No blogue que criou em 2015, “A pele que habito”, a portuense de 26 anos expõe e sistematiza o estudo que faz — quer académica, quer profissionalmente — sobre produtos de cuidado da pele.

Não compra “praticamente nada” sem analisar o rótulo da embalagem, desde a lista de ingredientes àquilo que a marca alega que o produto consegue. “Não por medo”, ressalva. “Não tenho qualquer dúvida em relação à segurança dos ingredientes cosméticos regulados pela União Europeia”, faz questão de dizer. Antes por uma “questão de eficácia e relação qualidade-preço”. Se um sérum custa 90 euros, por exemplo, Marta tem “que perceber porquê”. Porque “cada vez mais se conseguem produtos melhores e mais baratos, em Portugal e no estrangeiro”, avaliar o preço é essencial — e perscrutar as prateleiras dos supermercados, onde Marta encontra frequentemente produtos que competem, em termos de qualidade, com os de marcas mais exclusivas, também. “Afirmam-se muitas coisas nos rótulos, mas há muitas formas de dizer o mesmo. Gostava de ver mais estudos — e mais bem construídos — por parte das marcas.”

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Nelson Garrido

No blogue e no Instagram, onde é seguida por mais de 6000 pessoas, a farmacêutica faz críticas de produtos, relata experiências pessoais de uso e responde a questões, muitas questões, de leitoras — sim, sobretudo leitoras, e entre os 25 e os 40 anos, preocupadas com a eficácia de cremes, confusas com rótulos difíceis de decifrar. Marta dá a cara, não esconde o nome ou a profissão. “Toda a gente pode falar sobre cosmética mas, se se assume como potencial aconselhador, tem que ter um crivo um bocadinho mais apertado e só pode falar naquilo que realmente interessa”, explica, ao P3, em entrevista.

A frequentar um segundo mestrado — desta vez em Tecnologia Farmacêutica, na Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto, onde já se formara pela primeira vez —, Marta debruça-se sobre os mitos relativos à cosmetologia, baseados em “afirmações pouco rigorosas que, por vezes, nem sequer são intencionalmente enganosas”. “É mais uma questão de os consumidores não saberem do que se fala e irem na onda do que algumas marcas dizem.” Importante, destaca, é não falar em tratamentos, porque isso é uma característica dos medicamentos — deve-se, isso sim, falar em cuidados de beleza. E ter em atenção tendências e ingredientes da moda — como o ácido hialurónico —, reflexos de campanhas de marketing mais ou menos bem-sucedidas.

Marta exemplifica: “As máscaras de tecido já se usam há muitos anos e as águas micelares não são mais do que uma solução líquida com detergente, tal como um sabão, que ajuda a desmaquilhar.” É uma questão de marketing — “e isso, naturalmente, causa pressão”. “Se vemos que todas as bloggers usam aquilo...” Os gadgets de limpeza e de massagem também são populares, a par das máscaras de luzes LED. “E ainda há produtos pensados especificamente para o Instagram, algo muito notório no caso da maquilhagem, como os iluminadores muito nacarados”, elenca. A eficácia fica, por vezes, para segundo plano. E o cuidado com a precisão da linguagem, também, critica.

“Não podemos falar em tratamentos, porque é uma característica de medicamento”, continua. Por isso é que Marta tem o cuidado de falar em “melhorar a aparência dos sinais da idade” e não em promessas de uma aparência sempre jovem, abordando ingredientes como, por exemplo, os retinóides (relativos aos quais há "evidência sólida"). Quando decide fazer uma avaliação de um produto, percorre uma lista de itens: a função, a composição, “aquilo que a marca diz que ele faz (as alegações)” e o intervalo de preços. A opinião recai, especialmente, na “comparação das alegações com aquilo que o produto realmente faz”. Se for um creme hidratante ou um sérum — e Marta tem um post a explicar a relevância deste último —, é preciso, no mínimo, um mês de testes, o período de renovação da pele.

Às caixas de comentários do blogue e do Instagram d’ “A pele que habito” chegam, diariamente, “muitas dúvidas”. As primeiras rugas, os poros e as olheiras são os problemas mais comuns de quem contacta Marta em busca de soluções. Dessas questões nascem, muitas vezes, posts nos quais a jovem partilha artigos científicos, experiências, listas de produtos que recomenda e conselhos sobre rotinas saudáveis para a pele. “Esse é, também, o intuito do blogue: as pessoas saberem o que querem procurar.”

Tudo começa com a limpeza — e não o fazer com a frequência devida é um dos principais erros, aponta Marta —, mas é na protecção solar que mais pessoas falham. “Não faz sentido não utilizar protector solar diariamente, tanto no Verão como no Inverno, quando, paralelamente, a mesma pessoa gasta muito dinheiro em cremes anti-envelhecimento”, remata. “Não vale a pena começar a construir a casa pelo tecto.”

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