Farto de diálogo sobre o muro, Trump quer avançar sozinho em Fevereiro

Em entrevista ao New York Times, o Presidente norte-americano diz que as negociações com o Partido Democrata são “uma perda de tempo”. Prazo para uma decisão termina a 15 de Fevereiro e a declaração de emergência nacional é o cenário mais provável.

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Donald Trump Reuters/JONATHAN ERNST

O Presidente norte-americano, Donald Trump, deu a entender que vai declarar um estado de emergência nacional dentro de duas semanas para avançar com a construção de um muro na fronteira com o México. Depois de ter sido punido nas sondagens por causa dos 35 dias de encerramento de várias agências e departamentos públicos do país, Trump aceitou a proposta do Partido Democrata para voltar a discutir a segurança na fronteira até 15 de Fevereiro. Mas numa entrevista ao jornal New York Times, na quinta-feira, o Presidente norte-americano disse que essas conversações são “uma perda de tempo”.

Em causa está o cumprimento de uma das promessas mais emblemáticas que Donald Trump fez na sua campanha eleitoral para as presidenciais de 2016 nos EUA – a construção de um muro na fronteira com o México como parte das suas propostas de combate à imigração ilegal.

Dois anos depois de ter chegado à Casa Branca, e com o apoio da maioria do Partido Republicano nas duas câmaras do Congresso até Dezembro passado, Trump não conseguiu cumprir essa promessa, o que lhe tem valido duras críticas de alguns influentes comentadores conservadores, como Ann Coulter.

Na semana passada, quando o Presidente cedeu à proposta do Partido Democrata para pôr fim ao mais longo shutdown de agências e departamentos públicos norte-americanos na história do país, Coulter chamou a Trump o maior “banana” e sempre na Presidência dos EUA.

Essa proposta do Partido Democrata previa a reabertura das agências públicas (e o pagamento de salários a 800 mil funcionários, que não recebiam desde 22 de Dezembro) sem que o orçamento em discussão no Congresso incluísse os 5,7 mil milhões de dólares exigidos pelo Presidente dos EUA para iniciar a construção do muro.

Em troca, o Partido Democrata comprometeu-se a discutir o reforço de medidas de segurança na fronteira com o México até 15 de Fevereiro – nessa data, o Congresso terá de chegar a acordo para aprovar o orçamento anual e definitivo das agências que estiveram encerradas no último mês.

E, se isso não acontecer, voltam a estar em cima da mesa três hipóteses: ou o Partido Democrata cede e desbloqueia os 5,7 mil milhões de dólares pedidos por Trump; ou Trump cede e desiste da construção da sua promessa mais emblemática; ou os 800 mil funcionários que estiveram mais de um mês sem receber salário voltam a ser atirados para a mesma situação, por tempo indeterminado.

Guerra nos tribunais

Mas o presidente Trump tem uma carta na manga para contornar tudo isto, pelo menos a curto prazo: se decretar que há uma emergência nacional na fronteira com o México, poderá deslocar verbas do orçamento militar para iniciar a construção do muro.

Esta solução evita um novo shutdown e mostra aos apoiantes de Trump que o Presidente cumpriu a sua promessa, mas o problema pode regressar mais tarde – apesar de os presidentes terem poder para decretar uma emergência nacional mesmo onde ela pode não ser óbvia para todos, é certo que a decisão vai ser contestada nos tribunais. E, enquanto não há uma decisão definitiva, é possível que cheguem as eleições presidenciais de 2020 e que um candidato do Partido Democrata entre na Casa Branca.

Para além das decisões nos tribunais, é preciso também expropriar muitos terrenos privados ao longo da fronteira, num processo que também pode demorar muito tempo.

Mas depois de a speaker da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi, do Partido Democrata, ter vencido o braço-de-ferro com o Presidente no mais recente shutdown, não se espera que haja um consenso no dia 15 de Fevereiro. O Partido Democrata está unido na condenação do muro, dizendo que esse tipo de solução é “imoral”, ineficaz e caro de mais.

É por isso que numa rara entrevista ao New York Times, na quinta-feira, Trump indicou que vai mesmo avançar para a declaração de emergência nacional.

Quando lhe foi lembrado que ele preparou o caminho para essa solução, o Presidente norte-americano respondeu: “Sim, preparei o caminho. Preparei o caminho para fazer o que vou fazer.”

Na mesma entrevista, Trump acusou a sua maior rival política do momento, Nancy Pelosi, de “estar a prejudicar o país”. “Sempre me dei bem com ela, mas acho que isso vai deixar de acontecer. Está a prestar um péssimo serviço ao país. Se não aprovar a construção do muro, as outras propostas são apenas um desperdício de dinheiro e energia”, disse o Presidente norte-americano.

Confrontado pelo editor

A entrevista, que decorreu na Sala Oval da Casa Branca, foi marcada depois de Trump ter ligado ao editor do New York Times Arthur Gregg Sulzberger (conhecido como A.G. Sulzberger), a convidá-lo para uma conversa em privado. Segundo o jornal, Sulzberger recusou o convit,e mas fez uma contraproposta ao Presidente: uma entrevista com ele e com dois jornalistas do New York Times, sem restrições.

Para além da segurança na fronteira, a entrevista abordou vários pontos da Administração Trump, da investigação sobre a interferência russa nas eleições de 2016 às negociações comerciais com a China, passando pela retirada das tropas norte-americanas da Síria e pelos preparativos para as eleições de 2020.

Sobre a sua vontade de se manter na Casa Branca num segundo mandato Trump reafirmou que vai recandidatar-se e que não tem medo de possíveis adversários no seu partido: “Tenho um grande apoio no Partido Republicano.”

E do outro lado, no Partido Democrata, em que se prevê uma lista numerosa de candidatos, só Kamala Harris lhe arranca um elogio. “Diria que o melhor arranque de campanha, até agora, foi o de Kamala Harris. Em termos de apoio, é ela quem conta com mais entusiasmo nos comícios”, disse Trump sobre a candidatura da senadora da Califórnia.

A entrevista de Trump ao New York Times não trouxe grandes novidades em relação às posições já conhecidas do Presidente norte-americano – não houve nenhuma combinação suja com a Rússia para ganhar as eleições; as negociações com a China estão no bom caminho; e a retirada das tropas da Síria é o melhor para os interesses dos EUA.

Um ponto de interesse foi a conversa com o editor do New York Times sobre o impacto da circulação de informações falsas e das constantes acusações do presidente Trump aos  jornalistas.

A.G. Sulzberger, o filho de 38 anos do anterior editor Arthur Ochs Sulzberger, e sexto membro da família a assumir essa função desde 1896, confrontou o presidente Trump com o uso da expressão “fake news” – que é usado por alguns políticos “para justificarem a supressão de um escrutínio independente”.

“Não gosto disso”, respondeu Trump. “Mas acho que é muito mau para um país quando as notícias não são abordadas correctamente. E acredito mesmo que sou uma vítima disso, honestamente.”

O editor do New York Times pediu ao Presidente norte-americano que reconsidere os seus ataques contra o jornalismo: “Os efeitos disso não são sentidos apenas pelos títulos que acha que o tratam de forma injusta.”

“São sentidos em todo o mundo, incluindo por pessoas que estão literalmente a pôr as suas vidas em risco para contarem a verdade”, disse A.G. Sulzberger.

“Eu compreendo”, respondeu Trump, antes de voltar a justificar os seus ataques: “Não fico incomodado com uma história negativa, se for verdade. Somos todos adultos. Isso já me aconteceu e eu nunca me queixei. Mas quando escrevem notícias muito negativas sobre nós e não são verdade, então dizemos que isso é injusto.”

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