O Pinhal da nossa vergonha

As acções de voluntariado em operações de (re)arborização merecem-me grande cepticismo.

De acordo com notícia recente, a mortalidade nas plantações efectuadas na Mata Nacional de Leiria, por acção de voluntários, após Outubro de 2017, varia entre os 30 e os 80%.

Parece que a elevada taxa de mortalidade é atribuída à Natureza. Não deixa de ser caricato, logo num espaço que é há séculos condicionado pela acção humana. De facto, por vontade da Natureza, provavelmente, parte significativa do que é hoje terra firme seria um espelho de água. Pela mão da Natureza, não se teriam acumulado toneladas de areia em dunas fixadas a penisco. Fixação essa que herdámos dos nossos antepassados, como caso de sucesso a nível mundial, mas que, a não haver reviravolta, tendemos a não legar aos vindouros. A Natureza parece prestar-se a bode expiatório.

A questão que se coloca é a de esclarecer se este insucesso silvícola se deve à acção dos voluntários, no acto de plantação, ou ao estado calamitoso em que se encontra a autoridade florestal nacional, responsável pela gestão da mesma. Não haverá antes explicação na falta de intervenção subsequente, na não leitura de manuais técnicos antigos, ou andarão os governantes a querer cozinhar omeletes sem ovos? Muito provavelmente, será tudo junto!

Por onde terá andado o trabalho técnico da entidade gestora da Mata, que só agora alude ao baixo teor de matéria orgânica e à acidez dos solos para justificar a mortalidade? Qual o motivo por que não interveio em período de canícula? Talvez se deva questionar o Ministério das Finanças.

As acções de voluntariado em operações de (re)arborização merecem-me grande cepticismo. O acto de plantar uma árvore é apenas o início de um longo ciclo. Se a maior parte do ciclo não for assegurada, o risco de insucesso é elevado. O início do ciclo presta-se a eventos mediáticos, o resto do ciclo não atrai tantas atenções. Comparativamente, a acção assemelha-se a ter um filho. Há o risco e a dor do parto, mas o desafio é a sua educação ao longo de duas décadas. No que às árvores diz respeito, as décadas são em maior número. Por isso, nas acções de voluntariado em que me envolvi, sempre procurei assegurar que por trás houvesse uma entidade gestora do espaço. Assim, estas tiveram lugar em Matas Nacionais, em área florestais sob gestão municipal ou geridas por entidades privadas de cariz social. Curiosamente, os casos de insucesso dessas acções estão exclusivamente associados a Matas Nacionais.

Há que questionar a intervenção da entidade gestora da Mata, antes e depois do incêndio de Outubro de 2017.

Da área não ardida em Outubro de 2017 é possível avaliar do desempenho dessa gestão. Ou melhor, da situação a que governantes fizeram chegar o que é hoje um fantasma dos “Serviços Florestais”. Os talhões não ardidos ou ficaram por rearborizar na sequência do incêndio de 2003, deixados ao sabor dos ventos e da água, ou estão brutalmente invadidos por espécies exóticas.

Tal como em 2003, faz-se agora a apologia da regeneração natural em dois terços da Mata. Há, todavia, que informar os cidadãos que a aposta na regeneração natural reduz custos no início do ciclo, mas esta redução inicial é contrariada pelo acréscimo de encargos em operações silvícolas posteriores. Seja em limpezas intra-específicas, em desbastes e em desramações. As sementes germinam a eito. Há, pois, necessidade de um esforço acrescido para suprimir arvoredo em excesso, no sentido de facilitar operações silvícolas posteriores, designadamente as de redução dos riscos com incêndios, pragas e doenças.

A ter em conta o exemplo de aproveitamento de regeneração natural pós-incêndio de 2003, a concentração de pinheiros nesses talhões era de tal forma que mais se assemelhavam a campos de milho. Em Outubro de 2017, serviram de pasto de excepção para as chamas.

Ou seja, a regeneração natural presta-se a ganhos de tempo de ineficiência e falta de eficácia. É um empurrar com a barriga. Ganham-se até cinco anos, depois venham outros resolver o imbróglio.

Por fim, não deixa de ser curiosa a opção do primeiro-ministro pela escolha, em Janeiro de 2018, de um sobreiro para plantar, a Árvore Nacional de Portugal. Morreu! Talvez não haja muito a dizer na comparação com o que tem sido a política florestal nacional e, em particular, a gestão do Património Florestal do Estado. A Mata Nacional de Leiria e as demais constituem hoje um triste caso de vergonha nacional. Direi mesmo, uma vergonha profissional.

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