A estratégia anti-SNS. Programa de recuperação das infraestruturas hospitalares

Os argumentos financeiros dominantes e conjunturais de controlo do défice e da dívida não justificam a destruição definitiva do SNS.

O Serviço Nacional de Saúde (SNS) é uma criação da Revolução de Abril e constitui grande avanço da sociedade portuguesa: é um fator de coesão social, é um modelo eficiente de prestação de cuidados de saúde e constitui fator decisivo quanto à segurança de viver em Portugal. Incumbe prioritariamente ao Estado, que financia o SNS pelos impostos pagos anualmente pelos cidadãos de acordo os seus rendimentos, garantir o acesso a todos aos cuidados da medicina preventiva, curativa e de reabilitação, sempre que deles necessitam e independentemente da sua condição económica e social. Assim o determina a Constituição da República Portuguesa (CRP).

Este caráter socialista do SNS constitui um “pecado” imperdoável pelos ideólogos liberais gestores de campanhas populistas que arrastam cidadãos sérios e desinformados e governantes que atuam expressa ou envergonhadamente contra o SNS.

A estratégia de redução das capacidades do SNS assenta em três pilares: subfinanciamento, gestão ruinosa de recursos humanos e degradação das infraestruturas.

O subfinanciamento é uma opção política que pode ser alterada anualmente pelo Orçamento do Estado.

Os recursos humanos têm estado sujeitos a inconstantes opções políticas cujas consequências negativas, através da desmotivação e sangria dos melhores profissionais, se revelam a médio e longo prazo. As carreiras, os salários, o prestígio dos serviços públicos e o planeamento são os instrumentos de gestão em recursos humanos cuja subordinação ao défice e à dívida têm consequências catastróficas para o SNS, insolúveis a curto prazo.

Para as infraestruturas do SNS e para os respetivos ativos não existe uma política de investimento de substituição para compensar o “consumo de capital fixo”, nem existe uma política de investimento de inovação e atualização tecnológica e funcional das instituições. Da ausência de investimento durante e depois do período da troika resultou a atual degradação das infraestruturas e dos ativos da saúde, cujo retorno à capacidade inicial exige um esforço financeiro suplementar que não está a ser efetuado.

Das infraestruturas hospitalares analisaremos agora apenas a capacidade de internamento.

A degradação das condições de internamento nos hospitais de agudos do SNS devida à sobrelotação é sobejamente conhecida. Analisemos a evolução da oferta de camas de internamento no período de 2001 a 2017.

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Do quadro acima apresentado concluímos que, apesar da instalação de 1683 camas em regime de Parceria Público-Privada (PPP), a lotação dos hospitais de agudos foi reduzida em 3297 camas. Essa redução teve consequências gravosas nas Regiões do Algarve, de Lisboa e Vale do Tejo e do Norte, onde as taxas de ocupação subiram para valores superiores a 90%, que traduzem a realidade da sobrelotação, com doentes em macas em espaços inadequados.

Da criação dos centros hospitalares resultou a redução de 3215 camas das quais 2500 até ao ano de 2012. Esta opção política pelo “emagrecimento” da capacidade do SNS continua a ocorrer e traduziu-se nos últimos cinco anos na redução de 1018 camas, 741 das quais em centros hospitalares.

Os grupos económicos que atuam na área da saúde estão atentos a esta política de redução da capacidade do SNS e por isso mesmo, nos últimos 15 anos, assistimos à intervenção sistemática e planeada de investimento no “negócio” da saúde.

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De acordo com os dados mais recentes do INE – Estatísticas de Saúde, em 2016 existiam 9553 camas em hospitais privados, com aumento de 2223 camas desde 2001. Quatro grupos económicos são proprietários de 2217 camas, que passarão a 2417 quando abrir o Hospital Cuf Tejo em 2019.

O crescimento das camas hospitalares privadas daqueles quatro grupos económicos foi muito acentuado após o ano de 2005, como se pode verificar no gráfico seguinte.

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O volume de negócios anual divulgado pela Associação Portuguesa de Hospitalização Privada (APHP) atinge valores da ordem de 1,5 mil milhões de euros, potenciados pela aposta nas tecnologias pesadas – ressonâncias, tomografias computorizadas e aceleradores lineares – e na progressiva cobertura nacional que estes grupos desenvolvem não só com hospitais, mas também com uma rede de clínicas. A ADSE assume papel de grande financiador da atividade privada, tendo em 2017, segundo Eugénio Rosa, financiado a despesa de 543,9 milhões de euros.

Perante a continuada redução da oferta pública hospitalar e do reforço constante do investimento privado em curso na saúde, qual a estratégia pública para o SNS? Esperamos uma politica de boa gestão e defesa do SNS.

Rever os projetos dos hospitais do Seixal e de Sintra, designados de “proximidade”. Foram projetados sem camas de internamento, ao arrepio do previsto no Plano Diretor Regional de Lisboa e Vale do Tejo (PDRLVT) que lhes atribuía respetivamente 300 e 350 camas, sobrecarregando os já sobrelotados hospitais Garcia de Orta e Fernando Fonseca, em clara subordinação a interesses de privados. Encontra-se em fase de acabamento o Hospital Cuf Sintra, este com internamento.

Garantir que as atuais equipas clínicas dos hospitais a substituir pelo novo Hospital Oriental de Lisboa não se desintegrem e sejam transferidas para o novo hospital. Este teve o início de atividade varias vezes anunciada desde 2012, agora com assinatura do contrato prevista ainda em 2018 e abertura para 2023. Porque nada referido, para o Hospital de S. José previsto no PDRLVT como hospital de proximidade com 230 camas, iniciar o processo de adaptação às novas funcionalidades.

Garantir a construção do novo Hospital de Évora, com 350 camas, cujo projeto foi iniciado em 2010, agora anunciada pelo primeiro-ministro a atribuição de 40 milhões de euros para o respetivo arranque. Consta do OE 2019.

Retomar o estudo da substituição do Centro Hospitalar do Oeste, resultante da fusão do Centro Hospitalar das Caldas da Rainha e dos hospitais de Peniche, Alcobaça, Torres Vedras e Barro, conjunto de unidades hospitalares de caraterísticas e idades muito diversas e de gestão clinica complexa, potenciando baixa qualidade e elevada ineficiência.

Elaborar Planos Diretores Regionais para a Região Norte e para a Região do Algarve, com taxas de ocupação inaceitáveis que denunciam a sobrelotação hospitalar.

Elaborar Plano Diretor Regional para a Região Centro, uma vez que foi constituído um Centro Hospitalar com 1800 camas com o risco de encerramento de serviços por razões alheias à atividade clínica.

Impedir o encerramento de camas e serviços hospitalares com a centralização no Ministério da Saude da respetiva autorização e estabelecer a obrigatoriedade de planos diretores para os hospitais, com destaque para o Hospital de Santa Maria e Hospital de São João, garantindo um projeto correto de desenvolvimento global.

Criar uma unidade central de planeamento e programação, com base nos quadros técnicos de competência comprovada e existentes no âmbito do Ministério da Saúde, nas áreas de engenharia, arquitetura e outras, pondo fim a uma insuficiência desestruturante reconhecida de ausência de capacidade de planeamento nacional e regional.

As consequências irreversíveis da opção pela redução da capacidade das infraestruturas do SNS ficam demonstradas acima e resultam da política ativa do PSD/CDS e, no mínimo, da cumplicidade do PS. A inversão deste processo político tem de ser feita agora com um conjunto de medidas em que, entre outras, se incluem as que acima enumerámos e que, a serem adotadas, demonstrarão a vontade politica do Governo na defesa do SNS e dos seus princípios. Os argumentos financeiros dominantes e conjunturais de controlo do défice e da dívida não justificam a destruição definitiva do SNS.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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