Estamos desabituados dos sorrisos...

Estaremos a ficar desabituados dos sorrisos? De tal forma desabituados que quando alguém nos sorri de forma inesperada reagimos assim?

Existe na portagem da Ponte 25 de Abril um senhor portageiro que já é famoso. Eu que lá passo vezes sem conta confesso que, assim que me aproximo, começo a esticar a cabeça na esperança de conseguir perceber onde está ele. E, sempre que posso, vou para a sua fila de carros. Espero pela minha vez, toda satisfeita, porque sei que será ele a atender-me. E percebi que não sou a única e que ele tem, inclusive, uma página de Facebook em sua honra e uma reportagem publicada neste jornal! É famoso!

Este senhor chama-se Samuel e sempre, mas mesmo sempre, atende quem passa com um sorriso rasgado, um bom dia iluminado e a mão ao peito, enquanto diz: “Olá! Está tão linda! Já ganhei o dia!”

Despede-se depois como quem se despede de um grande amigo, e nada do que diz ou faz soa a falso ou ensaiado. Nada disso. Soa a algo que é dito de uma forma sentida e genuína, vinda do coração.

Penso que a história do Sr. Samuel nos faz pensar sobre duas coisas muito importantes. Em primeiro lugar, a inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Pois é, o senhor portageiro de quem falo tem uma deficiência que não sei (nem tenho de saber) qual é, mas a verdade é que este senhor é de uma eficiência fantástica. Por parte do condutor, fica a percepção de um trabalhador atento e focado na tarefa, rápido e eficaz. E quem passa numa ponte cheia de carros é isso que mais almeja, perder pouco tempo e poder seguir o seu caminho, pois andamos sempre cheios de pressa e a correr de um lado para o outro.

O trabalho dignifica e valoriza e é com muita satisfação que vejo este exemplo de inclusão. Porque todas as pessoas têm o direito ao trabalho, aumentando a sua autonomia e o sentimento de pertença e integração. Parabéns a quem o contratou. Muitos parabéns.

Mas esta história também nos faz pensar noutro aspecto da questão, e esse menos feliz, seguramente. Por que razão ficamos todos tão estupefactos perante esta abordagem de um trabalhador das portagens? Estupefactos pela positiva, entenda-se, mas a verdade é que ficamos. Porque não estamos nada à espera desta recepção quando esticamos o cartão ou o dinheiro, que acaba mesmo por ser dissonante. Portagens e filas de carros não rimam com boa disposição, simpatia e sorrisos. E acho que não exagero em dizer que saímos todos da sua cabine de portagem com um sorriso estampado no rosto e na alma.

Estaremos a ficar desabituados dos sorrisos? De tal forma desabituados que quando alguém nos sorri de forma inesperada reagimos assim? Com homenagens nas redes sociais e nas páginas dos jornais? Que sociedade é esta em que aceitamos (pior, esperamos) a ausência de um sorriso? Que acata sem questionar o facto de as pessoas trabalharem de uma forma séria e que isso é, em si, incompatível com um sorriso e umas palavras de elogio?

E chegados aos elogios, outra questão se impõe. Quando foi a última vez que elogiámos alguém só porque sim? Um elogio sincero, sem qualquer tipo de manipulação ou agenda oculta? E quando foi a última vez que alguém nos elogiou?

Os elogios são fundamentais nas relações interpessoais. Diz o povo que “quando acertamos, ninguém se lembra, mas quando erramos, ninguém se esquece”. E é muito verdade. Vivemos focados na procura da perfeição, muito mais atentos aos erros do que aos acertos. E muitas das nossas crianças são também educadas desta forma, mais centradas no que ainda não conseguem fazer, ao invés de valorizarem as suas competências e conquistas.

Elogiar é um processo tão simples e poderoso. Um elogio merecido, claro está, genuíno e concreto. E não custa mesmo nada. Vamos tentar?

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