É pela cor da minha pele?

A pergunta subliminar foi esta: o primeiro-ministro que não é branco condena os atos de vandalismo cometidos por negros?

Gostei da resposta do António Costa. Adorei as reações chocadas. Ora essa… então o primeiro-ministro atreve-se a afirmar a sua cor da pele? Que grande atrevimento… um não-branco que chegou a primeiro-ministro de Portugal e nomeou uma negra ministra da Justiça. Factos que provam, para além de qualquer dúvida, que não existe racismo em Portugal, colocados em causa pelo próprio beneficiário do não racismo?! Convenhamos! Imperdoável para muitos. A resposta que se impunha para mim e tantos outros.

Deliciosas as reações. Ignoram a pergunta e insurgem-se contra a resposta. Inapropriada, deselegante, inoportuna são as qualificações mais brandas.

Pausa! Comecemos pela pergunta. O primeiro-ministro condena o vandalismo? Em plena Assembleia da República a líder parlamentar do CDS perguntou ao primeiro-ministro se condena atos de vandalismo?!!

Caso os governantes portugueses tenham por hábito aplaudir o vandalismo nas suas intervenções no Parlamento, é uma pergunta normal. Se geralmente os governantes portugueses condenam ou apoiam atos de vandalismo no Parlamento, é uma pergunta normal. Desnecessário é dizer que quando se pergunta se se condena é porque se pondera a hipótese de não se condenar. O primeiro-ministro condena ou não condena (o que se traduz em apoia) atos de vandalismo é uma pergunta comummente feita pelos deputados portugueses?

Se foi perguntado a Costa se condenava (ou apoiava) a resistência e coação às autoridades que desembocou na detenção de quatro pessoas na manifestação de Dezembro passado, a questão ora colocada é normal. Se foi perguntado a Passos Coelho se condenava (ou apoiava) os atos de vandalismo praticados na manifestação de Novembro de 2012 em frente ao Parlamento, a questão ora colocada é normal. Se foi perguntado a Cavaco Silva se condenava (ou apoiava) os atos que levaram à morte do Alcindo, a questão ora colocada é normal. Se foi perguntado a Sócrates se condenava (ou apoiava) o mediático e fabricado arrastão de 2005, a questão ora colocada é normal. Se foi perguntado a Santana Lopes, se condenava (ou apoiava) o homicídio do Irineu Diniz, a questão ora colocada é normal. Se foi perguntado ao Guterres se condenava (ou apoiava) o homicídio do Felisberto Silva, a questão ora colocada é normal.

Caso contrário tem subjacente a ideia de que eventualmente o atual primeiro-ministro não condena esses atos de vandalismo em particular. E porque não o faria? O que levaria um primeiro-ministro português, ius sanguinis e ius solis, a não condenar atos de vandalismo? Qual o fundamento para que se questione e se insista na pergunta ao primeiro-ministro se condena (ou apoia) atos de vandalismo? A que se deve essa desconfiança? A que se deve a convicção implícita de que António Costa não condena e portanto apoia esses atos de vandalismo em particular.

Ocorre-me que seja por causa dos protagonistas. Porque os protagonistas são negros. E coincidência das coincidências o primeiro-ministro não é branco. Não sendo branco, pode dar-se o caso de não condenar os tais atos. Pode dar-se o caso de apoiar que se atirem pedras à polícia, que se incendeiem carros e ou que se chame bosta às autoridades. Impõe-se insistir (três vezes) na pergunta, eventualmente, para tranquilizar os espíritos mais inquietos dos portugueses, brancos ou não, pretos ou não, que de repente se viram na contingência de ter elegido um primeiro-ministro que não condena atos de vandalismo quando cometidos por negros.

O primeiro-ministro condena os atos de vandalismo? Não. A pergunta subliminar foi esta: O primeiro-ministro que não é branco condena os atos de vandalismo cometidos por negros?

Pois é! Não é uma pergunta normal! Tem por detrás uma intencionalidade. Tem subjacente o preconceito. Preconceito que Costa como qualquer um que tenha cor reconhece à distância. Porque António Costa tem cor e gosto que tenha respondido afirmando-a até porque dum belo castanho dourado se trata. Confrontando o preconceito com a afirmação que irrita racistas e anti-racistas. É pela cor da minha pele?

E eis de regresso o luso-tropicalismo nacional. A idiossincrasia nacional, não há racismo em Portugal. Bem expressa nas deliciosas reações a Costa. A prova irrefutável que ousa questionar-se enquanto tal. O raio do mal-agradecido.

A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico​

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