O STJ não viola a Constituição

Fica aqui demonstrada a justificação para o convite ao cardeal patriarca na cerimónia de abertura do Novo Ano Judicial.

A jurista Isabel Patrício elaborou um artigo, que o PÚBLICO fez sair no jornal do passado dia 21, na pág. 9, com o título "O STJ viola a Constituição". Não partilho do entendimento da ilustre jurista, que, a meu ver, não faz uma abordagem correcta da questão.

Recorde-se que a afirmada violação da Constituição, pelo STJ, radica, no entender da articulista, no facto de o cardeal patriarca de Lisboa ter estado presente na cerimónia de abertura do Novo Ano Judicial, "com lugar de destaque e invocação pela generalidade dos que usaram da palavra, como é também sempre normal", sendo "precisamente a normalidade desta presença que não pode aceitar-se e nem sequer a sua habitualidade".

E como justifica a ilustre jurista esta sua crítica e a invocada violação, pelo Supremo, da Constituição?

Portugal é uma democracia laica – sustenta – e a Constituição da República, desde a sua primeira versão de 1976, "é claríssima na consagração da separação das religiões e do Estado, sem qualquer excepção, nem sequer da Igreja Católica (...)". O n.º 4 do artigo 41.º da Constituição não consente dúvidas a tal respeito – As igrejas e outras comunidades estão separadas do Estado; e identicamente textua o art. 3.º da Lei da Liberdade Religiosa (Lei n.º 16/2001, de 22 de Junho). Mais ainda, remata a articulista: o n.º 2 do art. 4.º desta Lei estatui que Nos actos oficiais e no protocolo de Estado será respeitado o princípio da não confessionalidade.

Vejamos agora as razões que nos levam a discordar da lúcida jurista.

Embora seja ideia praticamente axiomática, é discutível a exactidão da afirmação de que Portugal é um Estado laico, se se entender o termo como traduzindo uma indiferença activa perante o fenómeno religioso. Há quem prefira o inciso "aconfessional" para melhor caracterizar a postura do Estado face às religiões. Seja como for, a questão carece de interesse para a dilucidação da nossa questão.

Relevante é, sim, que o texto constitucional acima transcrito – único invocado pela sagaz jurista, embora aluda, quase no termo do seu artigo, a que "todos têm feito tábua rasa dos dispositivos constitucionais atrás convocados" – não pode servir de arma de arremesso contra o STJ. Nem do seu teor literal, menos ainda do seu espírito, se pode concluir que as entidades organizadoras da cerimónia (não apenas o STJ) estejam, através de um mero convite de cortesia – dirigido a uma personalidade que é a mais representativa da Igreja, em Portugal, uma instituição secular e representativa, no País, de mais de 90% dos crentes –, a afrontar o princípio da natureza não confessional do Estado.

Ademais, a articulista esqueceu-se de trazer a terreiro um corpo normativo relevantíssimo para enfrentar a questão. Nada mais, nada menos que um tratado internacional que vincula o Estado Português – a Concordata com a Santa Sé, que entrou em vigor em 2005. Recomendo-lhe vivamente a sua leitura, atentando logo no seu preâmbulo, onde se aludem "as profundas relações históricas entre a Igreja Católica e a Santa Sé", bem traduzidas no articulado subsequente. Tudo para significar que não podem pôr-se em pé de igualdade a Igreja Católica (e os seus mais ilustres representantes) e as demais confissões religiosas.

Mesmo a Lei da Liberdade Religiosa, a que a articulista tão amorosamente se apega, não pode servir-lhe de arrimo. Na verdade, o seu art. 58.º (que, por certo, se esqueceu de ler, e que se insere num capítulo denominado "Igreja Católica – Legislação aplicável à Igreja Católica") é expresso em ressalvar da sua aplicação a Concordata entre a Santa Sé e a República Portuguesa, de 7 de Maio de 1940 (entendendo-se a referência à Concordata de 1940, e não à actual, porque esta última é posterior àquela Lei),

A justificação para o convite ao cardeal patriarca está assim demonstrada.

Há, porém, outra falácia que importa demonstrar! A separação entre os poderes do Estado e religioso está traduzida no facto de o cardeal patriarca não ter assento na mesa onde têm lugar os representantes dos poderes estaduais e o representante da OA. Está, relativamente aos convidados, em lugar de destaque – é verdade. Mas tal resulta de se tratar do representante de uma instituição que tem um relacionamento especial com o Estado, decorrente da Concordata. E também é verdade que é saudado pela generalidade dos oradores – tal e qual como todos os demais convidados!

Violação da Constituição? Valha-nos Deus! 

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