Detidos engenheiros que aprovaram barragem de Brumadinho há quatro meses

Dois técnicos de uma empresa alemã e quatro funcionários da empresa mineira Vale ouvidos num tribunal em Minas Gerais. Há 65 mortos confirmados e 279 pessoas desaparecidas.

Fotogaleria
Enterro de vítimas do desastre Adriano Machado/REUTERS
Fotogaleria
Mulher dos indíos Pataxo Ha-ha-hae olha para peixe morto do rio Paraopeba, em resultado do rompimento da barragem Adriano Machado
Fotogaleria
Como a lama está fofa, os bombeiros afundam-se. Alguns usam fatos de mergulho ANTONIO LACERDA/EPA

Daihene Nascimento é mulher de Jonatas, operador de equipamentos na empresa brasileira Vale há 13 anos. "Trabalhador, decente e honesto. Nunca perdia o ónibus, sabe?" Agora, à medida que as horas vão passando, devagar, desde o rompimento da barragem da mina do Feijão, em Minas Gerais, o milagre que coube a Daihene mostra bem a dimensão da tragédia: "Não vão existir mais sobreviventes, só vítimas. Tenho que dar graças a Deus de conseguir enterrar o corpo dele."

O corpo de Jonatas Lima Nascimento é um dos 31 que foram identificados até esta terça-feira, dos 65 que foram retirados do mar de lama e resíduos que rompeu a barragem da multinacional brasileira Vale, perto da pequena cidade de Brumadinho, na sexta-feira passada. Mas o pior ainda está para vir: depois de terem sido resgatadas 192 pessoas e localizadas outras 386, há ainda 279 desaparecidos.

Num pequeno perfil de algumas das vítimas publicado no jornal brasileiro Estado de São Paulo, Daihene diz que Jonatas estaria no centro de carregamentos quando a barragem cedeu – uma área baixa, no caminho de quase 12 milhões de metros cúbicos de lama e de resíduos de minério de ferro.

Os trabalhos de busca e salvamento estão a decorrer em "áreas gigantescas", avisou o porta-voz dos bombeiros de Minas Gerais, Pedro Aihara. Em alguns sítios, a lama chega aos 15 metros de profundidade e os bombeiros têm de usar cajados para perfurarem o terreno em busca de corpos, veículos ou sobreviventes.

E o trabalho é muito cansativo: "Como a lama está fofa, os pés afundam. Alguns bombeiros usam roupas de mergulho", diz o site do Globo.

Sem risco de romper, diziam

Para se perceber como foi possível acontecer em Brumadinho o que aconteceu no município de Mariana há pouco mais de três anos, também no estado de Minas Gerais, e também com o nome da gigante Vale associado (é a maior produtora de níquel e ferro do mundo), a polícia brasileira deteve esta terça-feira seis pessoas – quatro funcionários da empresa de extracção de minérios e dois inspectores de uma empresa alemã. 

Em foco estão um geólogo da Vale, César Grandchamp, e Makoto Namba, engenheiro civil e geotécnico da alemã Tüv Süd, uma das mais prestigiadas na área da inspecção e certificação. Num documento assinado em Setembro de 2018, os dois responsáveis declararam que a Barragem 1 da Mina Córrego do Feijão – a que viria a romper-se na sexta-feira – apresentava uma condição "estável em consonância com a lei".

No documento, avançado pelo portal de notícias R7, lê-se que o risco de dano potencial é classificado como "alto" e que a categoria de risco é "baixa" – ou seja, não havia risco de rompimento, mas se isso acontecesse os danos seriam elevados.

Em resposta às acusações, a empresa fundada em 1866 com sede em Munique confirmou que fez duas inspecções na barragem da mina do Feijão em 2018. "A Tüv Süd Brasil fez duas avaliações da barragem a pedido da Vale: uma revisão periódica da segurança da barragem (Junho de 2018) e uma inspecção regular da segurança da barragem (Setembro de 2018)."

Num outro comunicado, a Vale disse que está a "contribuir com as investigações para a apuração dos factos" e a dar "apoio incondicional às famílias atingidas". As acções da multinacional brasileira caíram 24,52% desde sexta-feira, na sequência do desastre.

Engenheiro premiado

Ao longo do dia, os media brasileiros avançaram que as autoridades suspeitam de fraude nos documentos de inspecção, mas o Ministério Público de Minas Gerais disse que ainda não é possível traçar cenários – nem de fraude, nem de incompetência, nem de negligência. Só haverá respostas depois das audições aos detidos, que começaram a ser ouvidos esta terça-feira e vão continuar à guarda das autoridades pelo menos durante 30 dias.

Para além de a Tüv Süd ser uma empresa com experiência na inspecção e certificação de centrais nucleares, pontes, túneis, aeroportos ou barragens, o engenheiro Makoto Namba, detido esta terça-feira, foi distinguido em 2018 pela Associação Brasileira de Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica.

E o prémio não podia estar mais relacionado com o desastre de sexta-feira na barragem de Brumadinho: numa análise a uma outra barragem da Vale, também no estado de Minas Gerais, Namba e outros cinco colegas chamaram a atenção para o facto de as barragens com um baixo risco de rompimento e localizadas em zonas de alto risco (como a de Brumadinho) "podem apresentar números supostamente satisfatórios".

"Uma estrutura com probabilidade de falha alta, executada em local ermo, intuitivamente apresenta menor criticidade que uma estrutura com probabilidade de falha reduzida, executada em local de elevada densidade populacional. Por esta razão, a avaliação do risco deve ser priorizada", disseram os engenheiros premiados, segundo uma citação do Globo.

Sugerir correcção
Ler 3 comentários