Santana sobre bairro da Jamaica: "Se eu morasse aqui também me sentiria revoltado..."

"A responsabilidade é de todos enquanto país", afirma o presidente da Aliança sobre a existência de um bairro sem condições onde mora tanta gente. E condena as declarações do assessor do Bloco, Mamadou Ba, que criticou as forças de segurança e depois lhes pediu ajuda por se sentir ameaçado.

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Santana visitou Bairro Jamaica LUSA/MARIO CRUZ

Na primeira incursão no terreno como líder da Aliança, Pedro Santana Lopes deixou críticas a todos - e incluiu-se no rol como antigo governante - pelas condições de vida das famílias do bairro da Jamaica, em Vale de Chícharos, no Seixal, afirmando que em 30 anos tinha havido tempo e dinheiro para fazer o realojamento. "Aqui a responsabilidade é de todos enquanto país."

Santana Lopes visitou nesta segunda-feira de manhã o bairro onde pontuam prédios inacabados que servem de habitação a dezenas de famílias há muitos anos e que saltou para as notícias devido à violência com que agentes da PSP abordaram três moradores quando foram chamados para uma ocorrência na manhã de domingo, dia 20. No final da visita, nas declarações aos jornalistas, Santana tentou fugir do debate sobre o racismo e sobre a violência policial mas não resistiu a uma crítica e a uma desculpabilização da polícia para considerar que a essência de Portugal é a "integração".

Mas reconheceu: "Se eu morasse aqui, devo dizer que também me sentiria revoltado, também não estaria integrado de certeza absoluta, também me sentiria excluído. Eu ou qualquer pessoa que aqui viva. Acho extraordinária até a capacidade de adaptação que as pessoas têm..."

Trinta anos sem soluções

Admitindo que apesar de conhecer "bem o país" só soube do bairro da Jamaica por estes dias devido às notícias sobre as agressões, Santana Lopes disse querer, com a sua ida ao local e a visita a algumas casas, juntar o seu "apelo" ao dos que "procuram resolver isto". Isto é o realojamento das famílias. Que começou em Dezembro - e aí Santana deixou um elogio encapotado a António Costa: "O que faz aqui mais impressão são as décadas que passaram sem se conseguir aquilo que neste momento está em curso - o processo de realojamento destas pessoas."

Contou que entrou - com a devida autorização - em casas de pessoas que ali vivem desde 1989. "São trinta anos! São quase dez mandatos! São cerca de oito mandatos numa autarquia e também ao nível nacional [de Governo]. (...) Um país decente não pode deixar estas coisas acontecerem e continuarem." E vincou: "Isso choca! E tem de nos chocar a todos, somos todos responsáveis por isto!"

"Eu não quero entrar aqui em cores políticas. O que quero é juntar a voz ao apelo para que isto acabe muito depressa. Porque tinha sido possível, mesmo com problemas jurídicos, mesmo com imbróglios de propriedade, mesmo com falências de empresas... A questão que estava aqui em cima da mesa era tirar estas pessoas daqui para outras casas e aqui construir outras casas não implicava nada de problemas jurídicos", defendeu o antigo autarca da Figueira da Foz e de Lisboa. Que recorreu precisamente a essa sua experiência para lembrar "coisas" que fez quando liderava a câmara lisboeta. "Construímos na Ameixoeira 800 fogos de habitação social em três anos. Essas coisas não demoram muito tempo."

"Olhar para isto é um susto!"

E fez contas de cabeça: como é que um país "mobiliza tantos milhões de euros - e em 30 anos são 120 mil milhões de euros de fundos europeus - e não houve hipótese de resolver este problema?"

Santana mostrou-se impressionado com o que viu no pouco mais de meia hora em que visitou o bairro. "Aqui estão em causa a saúde pública, as condições de crescimento de crianças, os termos em que funcionam os esgotos, a luz, a água, as condições estruturais de segurança. Olhar para isto é um susto!"

O líder do Aliança foi o primeiro dirigente partidário a visitar o Jamaica depois dos incidentes, antecipando-se a Marcelo Rebelo de Sousa, que na passada semana admitiu a possibilidade de se deslocar ao bairro "mais dia menos dia". Santana até já rivaliza com o Presidente "dos afectos". "Vir aqui é procurar tirar o debate desse prisma que radicaliza, acirra ódios. É preciso sorrir, dar um abraço e depois as contas políticas eu trato-as noutro lado", disse Santana Lopes.

Tentando não ser directo nem tomar partido na discussão sobre se houve laivos de racismo nas intervenções policiais da última semana porque "está um inquérito em curso", Santana Lopes lembrou outros episódios em que a polícia teve uma intervenção violenta - como no caso do adepto do Benfica agredido em Guimarães ou em manifestações organizadas pela extrema-direita.

"Todos nos indignamos, e é de raça branca. Quando há exageros também com pessoas de outras raças temos de nos indignar", defendeu. Para também garantir que não tolera nem gosta que Portugal seja tomado "como um país onde o racismo impera" porque, considera, a "essência e a idiossincrasia de Portugal é a integração, a vivência em comum de todas as raças, religiões, etnias - pelo mundo fora e cá".

O "excesso" de Mamadou Ba

Pedro Santana Lopes disse não ignorar a "realidade de que pode haver, às vezes, comportamentos" excessivos da polícia e defendeu "punições a quem, por ventura, vá longe demais". "Se alguém exagera, seja do lado da população, seja do lado das forças de segurança, deve agir-se em conformidade."

Mas, realçou, o papel das forças de segurança "é essencial". E para o exemplificar citou o caso do assessor parlamentar do Bloco de Esquerda e dirigente do movimento SOS Racismo. "Disse assim umas coisas excessivas, muito excessivas, sobre as forças de segurança e depois quando se viu em perigo foi pedir a protecção das mesmas forças de segurança. Nunca podemos esquecer que as forças de segurança são essenciais."

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