Ter a doença é preferível a tomar a vacina?

O nosso programa, com pouco mais de 50 anos, deve ser um motivo de orgulho nacional, pelo exemplo de boas práticas que é, já que, não sendo obrigatório, atinge taxas de cobertura vacinal muito elevadas, superiores a 90%.

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Rui Gaudencio/Arquivo

Apesar de ambas – doença e vacina – darem proteção, a potencial gravidade de certas doenças, como a meningite, com risco de complicações e de morte, faz com que seja preferível prevenir algumas doenças através da vacinação. Além disso, há vírus como o Papiloma Humano, que pode causar cancro, doença que a vacina evita, protegendo 10 a 1000 vezes mais.

Em alguns países a vacinação é obrigatória, mas não é o caso de Portugal. Um decreto-lei de 1962, e nunca desde então atualizado, prevê como única vacina obrigatória em Portugal, a vacina do tétano e da difteria aos 10 anos, durante a escolaridade.

Muitas vezes levanta-se a questão: “Se os outros se vacinarem, eu fico protegido?” Depende das doenças que estamos a considerar. Na maior parte das vacinas existentes, se 95% da população estiver vacinada, a doença não aparece e todos estão protegidos. É o que se chama imunidade de grupo. Se a percentagem de pessoas não vacinadas começa a aumentar, este efeito de grupo desaparece e surgem novamente surtos de doenças que estavam controladas/erradicadas, como aconteceu com o Sarampo. Por outro lado, outras doenças há, como o Tétano, que só temos proteção se estivermos vacinados individualmente – se eu me contaminar e não estiver protegida, não me é útil a vacinação do vizinho do lado.

Certo que, qualquer vacina, como todos os medicamentos, tem efeitos secundários. Mas, antes de uma vacina ser lançada no mercado, passa por várias fases de teste e os seus efeitos são estudados em milhares de pessoas. As reações mais frequentes e banais são a febre e o inchaço, dor e vermelhidão no local da injeção. Outros efeitos, como vómitos, diarreia ou dores de cabeça podem aparecer, mas resolvem-se facilmente. As reações graves são muito pouco frequentes (uma em cada milhão de pessoas vacinadas) e o benefício da vacina ultrapassa largamente a esmagadora maioria dos efeitos indesejados que a vacina possa provocar. As ditas substâncias tóxicas associadas às vacinas como o alumínio, o timerosal ou o formaldeído, constituem quantidades ínfimas e não nocivas para a saúde.

Importa no entanto referir que nem todas as pessoas podem ser vacinadas. Por exemplo, por estarem grávidas, por sofrerem de algumas doenças crónicas. Pessoas com certas alterações do sistema imunitário, a fazer alguns tratamentos (oncológicos, por exemplo) ou que tenham tido uma reação alérgica grave numa vacina anterior têm que ser aconselhadas antes da próxima vacinação.

Existe, também, o mito de que as vacinas causam autismo. Sim: mito. As vacinas não causam autismo. Um artigo fraudulento, publicado na The Lancet há 20 anos, está na origem do mito que o autismo seria provocado pela vacina que protege contra o Sarampo, a Papeira e a Rubéola. Vários estudos fiáveis vieram provar depois que esta associação entre o autismo e as vacinas não existe. Infelizmente, o impacto deste artigo falso ainda hoje se faz sentir e é, em parte, responsável pelo surto de Sarampo nos EUA e na Europa.

O nosso programa, com pouco mais de 50 anos, deve ser um motivo de orgulho nacional, pelo exemplo de boas práticas que é, já que, não sendo obrigatório, atinge taxas de cobertura vacinal muito elevadas, superiores a 90%. É gratuito, acessível a todas as pessoas presentes em Portugal (residentes e não residentes) e universal. Inclui crianças, grávidas, adultos e idosos. Foi uma das razões determinantes para a redução de mortes por doenças infeciosas em Portugal, a par da melhoria das condições de vida. É um dos motivos que nos permite estar no top dos melhores do mundo, na baixíssima taxa de mortalidade infantil.

Então, “vacinar ou não?”. Vacinar, sem qualquer dúvida. As vacinas salvam vidas. Diminuem o risco de morte, o risco de perda de funções (surdez, cegueira, amputações, paralisia) e reduzem a prevalência de cancros (ex. cancro do colo do útero). A imunidade de grupo protege toda a população, incluindo aqueles que, de forma transitória ou permanente, não podem ser vacinados. Em países mais pobres, com pouco acesso a cuidados de saúde, ocorrem mortes por indisponibilidade de vacinas; nos países desenvolvidos, as vacinas existem e constituem um direito das pessoas.

Vacinar sim, por nós e por todos.

Pediatra no Centro da Criança e do Adolescente do Hospital CUF Descobertas. A autora escreve segundo o AO.

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