Morreu o organista francês Jean Guillou, um improvisador único

Também compositor, foi durante 50 anos organista da Igreja de Saint-Eustache em Paris. E desenhou o órgão da igreja de Santo António dos Portugueses em Roma.

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O organista e compositor francês Jean Guillou morreu no sábado, em Paris, aos 88 anos, anunciou a sua mulher.

Guillou ensinou no início da sua carreira em Lisboa, cidade onde voltou várias vezes para actuar nas temporadas de música da Fundação Calouste Gulbenkian. Mais recentemente foi possível ouvir a sua música no Porto, em 2011, quando a obra La Révolte des Orgues (2007) foi interpretada na Igreja da Lapa, como lembra o organista João Vaz. Ao lado do grande órgão daquela igreja soaram então mais oito órgãos, além de outros instrumentos de percussão, emprestados por várias instituições da cidade, numa logística ambiciosa que fez daquele um concerto único. 

"Ele ficou famoso como improvisador, procurando timbres muito invulgares e conseguindo efeitos muito especiais. Quando se ouvia tocar, percebia-se logo que era ele", defende João Vaz. "Guillou abriu muitas possibilidades na composição para órgão, com uma busca de sonoridades que também estava presente quando improvisava ou tocava reportório."

Compositor, intérprete, professor e construtor de órgãos, Guillou foi o organista titular da Igreja de Saint-Eustache, um dos cargos organísticos mais importantes em França. Há três anos, porém, decidiu bater com a porta, numa altura em que defendeu que não devia ser necessário ir à igreja para ouvir órgão, e porque se sentia pouco respeitado: "A música não tem nada a ver com religiões, sempre disse que tem de se tirar o órgão das igrejas e dar-lhe outra vida."

Em 2010, Jean Guillou também recusou, em protesto, a Legião de Honra, "num momento em que a música clássica viu diminuída a sua presença em todas as instâncias oficiais" francesas. Ele "era um artista imenso​, um homem extravagante, [mas] pouco reconhecido em França", disse Jean-Marie Brohm, ex-presidente da associação Augure, que promove o trabalho de Guillou.

Nascido em Angers, no Oeste da França, em 1930, já era organista da Igreja Saint-Serge com 12 anos. Estudou no Conservatório de Paris sob orientação de Marcel Dupré, Maurice Duruflé e Olivier Messiaen. Em 1955, muito novo, aceitou uma posição como professor de órgão e composição no Centro de Estudos Gregorianos em Lisboa, tendo seguidamente mudado para Berlim, onde compôs os primeiros trabalhos. Foi em 1963 que voltou para Paris, sucedendo a André Marchal em Saint-Eustache, onde foi organista durante 52 anos.

"Durante 35 anos, tive todos os jovens organistas nas minhas mãos", disse numa entrevista o organista, que entre 1970 e 2005 ensinou mais de 300 alunos em masterclasses em Zurique, na Suíça.

Compositor, improvisador e transcritor para órgão de peças de compositores como Bach, Liszt e Schumann, Jean Guillou também aplicou a sua procura de uma sonoridade especial nos desenhos com que projectava órgãos, ajudando a construir instrumentos em França, mas também em Bruxelas ou Nápoles. Mais recentemente, em 2008, concebeu o órgão da igreja de Santo António dos Portugueses em Roma

Autor de mais de 90 obras, entre peças para órgão como Ballade Ossianique, La Chapelle des Abîmes, Alice au pays de l'orgue, compôs também para órgão acompanhado por outros instrumentos. Deixou escritos como o livro L’Orgue, souvenir et avenir, além de uma "importante discografia", com uma centena de gravações, assinala a AFP, incluindo as obras completas para órgão de Bach e Schumann. 

Guillou, que continuava a trabalhar, tinha concertos previstos para Roma e Marselha nos próximos meses. "Ele foi sempre muito dinâmico e muito lúcido até ao fim. Só vivia para a música e só se preocupava com seus concertos programados até 2020", disse a mulher, Suzanne Guillou. Com Lusa

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