O Parlamento decidiu dar voz à gritaria

O dever dos políticos nestes momentos é congelar as guerrilhas partidárias, ter nervos de aço e restaurar as pontes que ameaçam ruir. Não foi isso que aconteceu.

Não nos bastavam as declarações irresponsáveis de Joana Mortágua, as acusações insultuosas à polícia de Mamadou Ba, as reacções xenófobas de agentes da polícia nas redes policiais, os apelos imbecis que tentam colar o rótulo do racismo em todos portugueses ou as ignóbeis ameaças a dirigentes do Bloco de Esquerda: esta sexta-feira, o oportunismo político e o clima de intolerância que os incidentes no Bairro da Jamaica puseram a nu entraram portas adentro na Assembleia. Usar o caso Jamaica para tentar colar à imagem do primeiro-ministro a suspeita de que não protege as forças policiais é abusivo. E a reacção de António Costa aos ataques do CDS, deixando no ar um presumível preconceito racista da sua líder, é uma vergonha. O Parlamento amplificou o coro dos insurrectos em vez de ser exemplo para a acalmação.

Com excepção do PCP, que, nestas matérias, conhece de cor o seu guião e não perde a cabeça com provocações, todos saem mal do filme. Quando em causa está uma absoluta necessidade de travar o extremismo dos anti-racistas e o extremismo dos racistas, quando é imperioso separar o trigo do joio e condenar as agressões injustificadas da polícia para se defender o corpo da PSP como um todo, o que os deputados fizeram foi essencialmente regar o fogo com gasolina. O instinto predador de Fernando Negrão e de Assunção Cristas aplicado a rigor para tentar fazer do primeiro-ministro presa fácil numa matéria que preocupa os cidadãos é o cúmulo do malabarismo populista; a tentativa de Catarina Martins em passar um pano pela irresponsabilidade de uma deputada e pelo comentário incendiário de um dos seus assessores é ilusionismo; e, para ajudar ao frenesim, a resposta sobre a cor da pele de António Costa é irreflectida e perigosa.

O que mais preocupa os cidadãos no incidente da Jamaica, na manifestação ilegal do centro de Lisboa ou nos actos de vandalismo das últimas noites não é tanto a sua gravidade: é a suspeita de que algo mais grave pode estar para vir. É nestes momentos decisivos que se exige tolerância, ponderação, sentido de Estado e espírito de serviço público. Portugal é um oásis de tranquilidade e tem condições para dar respostas ao brutal clima de exclusão dos bairros, aos abusos de polícias e ao sectarismo que ameaça a diversidade da sociedade portuguesa. O dever dos políticos nestes momentos é congelar as guerrilhas partidárias, ter nervos de aço e restaurar as pontes que ameaçam ruir. Infelizmente, não foi isso que aconteceu.

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