Incontinência e ou vampirismo?

Entre uma rainha, como a da Inglaterra, que quase não fala e um Presidente que não se cala, a virtude está apenas na ida às urnas para eleger o Presidente; talvez, por isso, esta loquacidade marcelina.

As funções do Presidente da República estão bem definidas nos artigos 120.º a 140.º da Constituição da República. O que vale dizer que não podem ser inventadas, segundo o gosto de cada íncola do Palácio de Belém.

No quadro político-constitucional o Presidente da República não tem poderes executivos. Nomeia o primeiro-ministro. Pode demitir o governo, dissolver a Assembleia da República e presidir ao Conselho de Ministros, sob proposta do primeiro-ministro.

Por isso, o Presidente da República deve deixar o governo governar e só intervir caso considere uma situação verdadeiramente anómala, tanto mais quanto o governo responde perante a Assembleia da República, de onde lhe vem a legitimidade democrática. Tal não significa que não se pronuncie sobre a vida política.

Quando o PR se afirma no exercício do seu mandato opinando sobre as matérias que estão em discussão na ordem do dia, ultrapassando os próprios titulares governamentais, cria distorções no equilíbrio dos vários poderes.

A tendência de aparecer, sobretudo na televisão, todos os dias, muitas vezes para dar conta da sua preocupação com assuntos que não há ninguém de bom senso que não esteja preocupado, cheira a vampirismo político.

Marcelo não pode desconhecer que a vida dos camionistas é dura. A ninguém passará pela cabeça que a vida profissional de um mineiro não é dura. E o mesmo se dirá dos homens que trabalham no fundo das pedreiras. A vida de um padeiro ou de um homem da limpeza das ruas ou das fossas não é pêra doce, ou a de um piloto de aviões, pelo grau de responsabilidade.

O Presidente só conhecerá a verdadeira natureza de cada profissão mais dura se passar a fazer uma viagem com um camionista, se descer à mina durante um dia de trabalho, se “pilotar” um avião com um comandante, se passar um dia com um varredor das ruas ou com um limpador de fossas? E só saberá se os coletes amarelos mobilizam muita gente passando na manifestação, sendo notícia? E passando no estabelecimento prisional de Lisboa na altura de protestos quando há notícias em direto?

Quando Marcelo apanha boleia com um camionista alegadamente para chamar a atenção para a dureza da profissão ter-se-á apercebido de quantas profissões estarão em lista de espera? E se se apercebeu vai passar dias, meses e anos (até às próximas eleições) a fazer de conta que é enfermeiro, padeiro, mineiro, trolha, piloto, limpa chaminés, pintor de carros?

O titular do cargo de Presidente da República alertou na sua mensagem natalícia para o perigo do que designou populismo ou posturas eleitoralistas dos partidos, não havendo ninguém que não concorde com a ideia que numa campanha eleitoral a tendência é para facilitar as promessas, sendo certo e seguro que há alguns a prometer que batem todos os recordes …

Marcelo não está a prometer preocupações a mais, bem tendo consciência plena que cabe ao governo tratar do desgaste de cada profissão? Que pretende Marcelo? Levar a cabo um levantamento socioprofissional de cada profissão? Um levantamento sociológico? Ou ser notícia?

É intrigante esta atafona de Marcelo por aparecer diariamente a manifestar as suas preocupações. Não seria mais indicado que nas reuniões com António Costa exercesse com grano salis a sua magistratura de influência? Corre o risco de se banalizar a tal ponto que ninguém se importará com mais um mergulho ou mais uma preocupação ou mais um acompanhamento em direto de qualquer desgraça.

Entre uma rainha, como a da Inglaterra, que quase não fala e um Presidente que não se cala, a virtude está apenas na ida às urnas para eleger o Presidente; talvez, por isso, esta loquacidade marcelina.

  

    

   

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