A loucura portuguesa pelo bacalhau deve-se a uma só coisa: à estonteante delícia do mesmo

Compre-se o bacalhau a bacalhoeiros que dependem do bacalhau para ganhar a vida: quanto mais antigos, melhor. Por outras palavras: compre o bacalhau a quem percebe de bacalhau.

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Adriano Miranda

A Maria João e eu andamos desde Outubro do ano passado a experimentar bacalhaus. A primeira coisa a dizer é que, para quem gosta de bacalhau, não há melhor país para viver do que Portugal.

Há quem estranhe que a população de um país com uma costa tão rica em peixe fresco - o melhor do mundo, ainda por cima - esteja apaixonada pelo bacalhau. "Como é que vocês gostam tanto de um peixe seco, salgado e velho?", perguntam-me os meus amigos estrangeiros.

Dizia-se que era por ser barato - o "fiel amigo" e não sei que mais - mas a verdade é que nunca foi tão barato como o carapau ou a sardinha. Hoje em dia já não é barato - mas é barato para o que é, uma maravilha.

É essa a razão por que gostamos tanto de bacalhau: porque é muito, muito bom. É por razões puramente gastronómicas. Há outros lugares, como o País Basco e a Itália, onde gostam de bacalhau (por ser bom) mas a verdade é que não gostam tanto de bacalhau como nós.

Neste novo milénio em que vivemos temos comprado mais bacalhau já demolhado e congelado. Isto inclui, salvo erro, os restaurantes que já não podem demolhar bacalhau e são obrigados a comprá-lo congelado.

Chego assim à primeira regra do bacalhau: é sempre melhor comprar um bacalhau inteiro e demolhá-lo em casa, conforme as necessidades. Uma posta chega para duas pessoas? Então demolha-se só uma. O resto do bacalhau continua guardado. Foi para isso que se inventou o bacalhau: para ser guardado. Só se demolha a parte do bacalhau que se vai comer.

A qualidade de um bacalhau, como de qualquer peixe, é determinada pela gordura que tem. Quanto mais gordo, melhor. Ao escolher um bacalhau seco deve-se procurar um peixe barrigudo, com cachaço e rabo gordos, com uma cor amarelada.

Comer bacalhau cozido é como comer peixe cozido: só o melhor é que resiste. Ou seja: o bacalhau cozinha-se conforme a qualidade que tiver. É por isso que nós temos centenas de maneiras de cozinhar o bacalhau: para aproveitar todas as suas qualidades.

Como generalização enorme mas verdadeira no que diz respeito à minha experiência de vida, diria que é melhor comer bacalhau em casa do que em restaurantes. Há excepções (como o Fuso, em Arruda dos Vinhos) mas, por regra geral, só no Minho é que se come bacalhau excelente, realçando-se Braga como a excelsa capital do bacalhau.

Só se ganha em comprar um bacalhau inteiro para guardar em casa: sai muito mais barato porque aumenta muito de volume e peso depois de demolhado.

Compre-se o bacalhau a bacalhoeiros que dependem do bacalhau para ganhar a vida: quanto mais antigos, melhor. Por outras palavras: compre o bacalhau a quem percebe de bacalhau. Os bacalhoeiros também têm bacalhau barato, mais magro - mas mesmo esse há-de ter sido bem curado e servirá para fazer pratos deliciosos.

Em Lisboa recomendo a Manteigaria Silva, mas tenho saudades de ir comprar bacalhau aos bacalhoeiros da Rua do Arsenal - eram mais de uma dúzia, todos diferentes, todos cheios de bacalhaus e polvos secos, com montanhas de latas de atum e de azeite.

O bacalhau congelado, já demolhado, nunca pode ser tão bom como o seco demolhado. Dá imenso jeito poder atirar uma posta congelada para água a ferver (e cortar o lume mal volte a querer ferver, esperando entre 15 e 20 minutos). Mas o bacalhau fica sempre fibroso. Falta-lhe gordura para lascar.

As grandes empresas do bacalhau, todas excelentes - a Pascoal, a Riberalves e a Lugrade - fazem questão de ter bacalhaus de todas as qualidades. Os preços apenas revelam as preferências do mercado. O melhor é sempre comprar um bacalhau inteiro pelo menos graúdo com uma cura longa e estipulada.

Mas se comprar bacalhau congelado (nós experimentámos os mais caros, de mais longa cura) e quiser comê-lo cozido, é melhor tirar o cavalo da chuva: nunca ficará bom. Cozido e bom, só o bacalhau seco e demolhado como deve ser (ver as recomendações da Lugrade).

A solução da Maria João é desfazer a posta cozida e fazer uma salada com os farripos com grão, alho, azeite e cebola. Fica muito bom. O segredo é escolher a maneira de usar as postas - e ninguém sabe mais disso do que nós portugueses.

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