No Bird of Passage cheira bem, cheira a café

Paolo Guffens, belga de 27 anos, deu a volta ao mundo à procura do seu Santo Graal e trouxe o café de especialidade para o Porto.

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Nelson Garrido

Bird of Passage é uma ave migratória ou uma pessoa que passa por um local sem permanecer durante muito tempo. Paolo Guffens personifica esse pássaro de boné que aos 27 anos — comemorados em Setembro — já deu a volta ao mundo à procura do seu Santo Graal, o café de especialidade. Encontrou-o e trouxe-o para o Porto.

Nasceu na Bélgica, foi com cinco anos para o Uruguai e voltou a Antuérpia dez anos depois para frequentar a European School of Mol. Os seus estudos já então se focavam no café. Em casa falava francês e já quase não falava flamengo. Hoje fala cinco línguas — e um português perfeito para quem chegou ao Porto em Agosto de 2018. "Línguas e tirar café é o que sei fazer bem", disse à Fugas durante um almoço no Bird of Passage Coffee, que não precisava de mapa: Rua Duque de Loulé, entre São Lázaro e a Batalha, no Porto, um balcão com café de especialidade à entrada, uma mesa grande comunitária ao centro e ao fundo um terraço e uma área para eventos privados mesmo antes dos arrumos.

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A essência do espaço não podia deixar de ser o café, o mesmo que levou Paolo a viajar e a tentar trabalhar como barista em países "onde as técnicas de café de especialidade fossem mais desenvolvidas". Começou na Austrália em 2011, pousou depois na Nova Zelândia, voou para a África do Sul, voltou ao Uruguai (onde ajudou um amigo a montar um espaço de café), esteve em quintas no Peru e na Colômbia, trabalhou no Canadá e em Londres antes de voltar a Antuérpia, onde geriu a Butchers Coffee. "Sempre que voltava para a Bélgica sentia na barriga 'não quero voltar'. Fiz uma proposta ao meu sócio, saí e vim para cá."

A vida na Bélgica ou noutros países da Europa, acredita o belga, "é muito acelerada, muito stressada". "As pessoas andam sempre a correr atrás dos factos, nunca chegam lá." Lá, Paolo já não conseguia "estabelecer contacto visual com os clientes". "Era produção em massa. Estava um bocadinho farto disso, cansado. Não tínhamos dia de folga, não fechávamos no Natal nem no Ano Novo", conta. "Queria concentrar-me naquilo que gosto de fazer, no café e em conversar e conhecer os clientes. Portugal tem o que eu estava à procura. Hoje mesmo consigo tirar a camisola e estar ao sol. À sombra não, mas ao sol sim."

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No menu, muito à base de pão artesanal de fermentação lenta (é fornecido pelo Garfa, pão com sabor a pão), juntou "sandes clássicas" que apelida de "Iguarias" (Avo Mash, Eggs Benedict, Veggie 2.0, Smoked Pastrami, Pulled Pork e Shredded Chicken 2.0), "Empanadas", pequenos-almoços (com bowl de granola, papas e rabanadas sazonais,) para além da pastelaria (bolos, pão de banana, croissants, cookies e alfajor de maizena). "Privilegiamos o pão artesanal, a cerveja artesanal, o azeite, o chá... está tudo relacionado. O nosso fornecedor é o senhor José, que vem todas as manhãs trazer frutas e legumes." A equipa é pequena e multidisciplinar. Ricardo Bueno ajuda Paolo na sala, a polaca Monika trata da cozinha e Neven, croata, apresenta o protagonista da casa, o café.

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Paolo Guffens andou pelo mundo atrás dos seus segredos. "Achei que ia fazer isso um ano e fi-lo durante seis. É um produto que não tem nada a ver com o que conhecemos há gerações e gerações. Um café comercial, produzido em massa, não tem nada a ver com o que fazemos. Fiquei muito apaixonado por isso, por esse produto complexo e complicado. Não basta carregar num botão e já está. É um fruto que me fascina. Se consegues tirar de um expresso um sabor frutado, floral, uma acidez agradável, um sabor achocolatado... para mim é espectacular", confessa Paolo, fascinado, por exemplo, com o trabalho das quintas australianas que "produzem as quantidades correctas pelo preço justo". "Lá consegues ter uma relação forte com o fornecedor, saber de onde vem o produto, uma planta que demora muitos anos a estar pronta. Isso faz uma diferença gigante. É como um bom vinho ou uma boa cerveja artesanal."

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Hoje, muita da "energia" desta equipa vem do "educar as pessoas". "Porque é que estamos a apresentar este produto novo? Porque é que é mais caro? Em Portugal não existe um dia sem expresso, faz parte da sobremesa. E sente-se esse efeito geracional. Quem somos nós para dizer que está errado, que o café não é consumido como devia ser. Faz confusão a muita gente. A energia que recebemos de volta e a motivação é ter clientes com vontade de experimentar e que não querem voltar a colocar açúcar no expresso para disfarçar aqueles sabores todos de um café sem qualidade. Beber bom café é como ter uma fruta dentro da chávena, experimentar sabores de diferentes origens. Se posso ensinar isso e se as pessoas voltam com um amigo e explicam elas aos amigos esse processo, isso dá-me energia e motivação."

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O Bird of Passage Coffee, duas portas ao lado do ABCoffee ("caiu do céu", avaliza Paolo), serve "cafés de todo o lado". "Quando chegam os novos cafés fico todo contente, novas receitas, novos sabores...", exclama. Há sempre entre duas a quatro opções de filtro (o Bird assina uma subscrição e por isso ainda recebe regulamente pacotes surpresa), variedade para café expresso (normalmente uma mistura de dois cafés) e tempo para criar uma "relação com o cliente", para andar "contra a corrente". "É uma expressão forte e explica o que nós fazemos."

Uma pequena interrupção no almoço-entrevista:
— Desculpa, mas vocês são de onde?
— Somos de vários sítios.
— Tem os olhos bonitos.
— (risos) Obrigado. Gostaram do almoço?
— Adoramos! Vamos voltar.
— Cá as esperamos.

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