Prisões dispensam empresas e contratam directamente 390 profissionais de saúde

Vários enfermeiros não foram pagos, em 2018, por serviços prestados nas prisões após a empresa contratada pela tutela ter “desaparecido”. À Ordem chegaram novas denúncias de condições de trabalho precárias. Ministério avança com contratação directa de 70% dos profissionais.

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Nuno Ferreira Santos

A Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) está a contactar 390 profissionais de saúde que prestam serviços nas prisões e centros educativos para os contratar directamente, em regime de avença, sem a intermediação de empresas de outsourcing. Estas empresas estão de saída das prisões depois de várias denúncias de salários em falta e condições de trabalho precárias.

Segundo o Ministério da Justiça, as Finanças autorizaram a contratação, em regime de avença, de 195 enfermeiros, 85 médicos, 68 técnicos de diagnóstico e terapêutica e 42 profissionais para serviços de apoio — “cerca de 70%” dos profissionais em prestação de serviços de saúde junto de reclusos e jovens internados em centros educativos. “Muitos já foram contactados e os contratos serão assinados até ao final deste mês”, informa a tutela ao PÚBLICO. Mantém-se apenas uma empresa, vencedora de um concurso público internacional, que presta serviços em 13 das 49 prisões portuguesas.

O Ministério da Justiça diz estar a fazer esse caminho. “Este Governo tem-se empenhado em substituir gradualmente a contratação de profissionais de saúde em regime de outsourcing pela colocação de profissionais de saúde no quadro de pessoal.” O objectivo é que os estabelecimentos prisionais (EP) tenham equipas residentes que trabalhem em articulação com os centros de saúde e hospitais próximos. Em 2018, passaram para os quadros 64 enfermeiros, 22 dos quais através do Prevpap, programa de regularização dos vínculos precários na administração pública. Pela primeira vez, foram preenchidos todos os lugares (148) nos quadros de enfermagem, diz a tutela. O mapa para 2019 prevê a abertura de mais 95 vagas.

Através de contratos de outsourcing, a DGRSP contrata horas de serviços, consoante as necessidades de cada EP. As empresas são escolhidas por concursos públicos, normalmente de seis meses. O critério de adjudicação tem sido o mais baixo preço. Durante anos, muitos profissionais transitavam de umas empresas para as outras mediante o resultado dos concursos ou à medida que estas abriam falência.

Há, pelo menos, uma empresa, Sojo, que deixou de pagar aos enfermeiros. Aconteceu entre Novembro de 2017 e Março de 2018, de acordo com as queixas que chegaram à ordem e que esta remeteu para o Ministério da Justiça, a DGRSP e o Ministério Público. Vários enfermeiros ficaram sem receber dois e três meses de serviços prestados, pelos quais seriam pagos a cinco euros brutos por hora (3,75 a recibos verdes). Sem salários, em Março, alguns suspenderam temporariamente funções nos EP de Braga e Paços de Ferreira.

“Burla ao Estado?”

A Sojo, microempresa com sede em Barcarena, foi criada há dois anos, de acordo com o relatório comercial consultado pelo PÚBLICO, tendo contratos com a DGRSP, pelo menos, desde Novembro de 2017. Ficou, entretanto, incontactável. Ninguém atende os números de telefone colocados em antigos anúncios. O e-mail não está disponível. “Simplesmente, desapareceu...”, diz a bastonária dos enfermeiros.

O que faz a tutela nestas situações? A DGRSP rescindiu contrato e contratou outra empresa. “Embora a DGRSP acompanhe a execução dos contratos que celebra com as empresas, não possui legitimidade para controlar e intervir nas relações jurídicas que aquelas estabelecem com os profissionais que recrutam. Os profissionais foram contratados pela empresa e não pela DGRSP.” A Procuradoria-Geral da República também disse em Abril, em resposta à ordem, que poderia apenas intervir se os enfermeiros requeressem o patrocínio do Ministério Público para intentar uma acção para reclamar os vencimentos em dívida.

“O Estado pagou a estas empresas e elas não pagaram aos seus trabalhadores. Isso não é uma burla ao Estado?”, questiona a bastonária Ana Rita Cavaco, que critica a falta de responsabilização da entidade contratante. “Não sei que concurso se faz para contratar estas empresas, sem garantir que têm a mínima sustentabilidade.”

Desde Novembro, a ordem voltou a receber denúncias de condições de trabalho precárias e salários em atraso relacionadas com outra empresa, a CV HealthCare. Ao PÚBLICO, um enfermeiro diz já ter perdido a esperança de receber os mais de 500 euros em atraso: “São várias pessoas na mesma situação.”

A empresa confirma, em resposta escrita, que espera o pagamento de facturas por parte de outros clientes para “liquidar todos os honorários”, que deviam ter sido pagos até 15 de Janeiro, “tal como sempre fez”. Acautela que há situações que podem não ser da sua inteira responsabilidade, como quando os prestadores se atrasam a enviar os dados para pagamento, e que está em “comunicação diária com todos os profissionais”. Acrescenta que as reclamações que lhe chegam “não representam sequer 5% do número total dos prestadores de serviços” que colocou a trabalhar para a DGRSP, desde 2016 até ao final do ano passado. Desde 1 de Janeiro que a CV HealthCare não presta serviços em nenhum EP.

“Nesta actividade sempre houve atrasos esporádicos nos pagamentos, situação que se verifica com mais frequência no primeiro mês do ano”, refere ainda.

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